1 Pedro Adão e Silva, nomeado por António Costa [com a concordância de Marcelo Rebelo de Sousa (diz-se em surdina que foi uma escolha deste e não ficaria surpreendido se os despachos acontecessem em Belém)] para comissariar várias comemorações do 25 de Abril [até ser agora nomeado ministro da Cultura], questionado sobre o 25 de novembro, afirmou que se trata de uma data que divide.

Que significa isto? Que Pedro Adão e Silva não tenciona incluir o 25 de Novembro nas comemorações da liberdade e da democracia? Haverá aqui uma intenção de reescrever a história? E o 25 de Abril não divide os portugueses?

2 A 23 de junho do ano passado critiquei a escolha de Pedro Adão e Silva por considerar que o mandato do cargo era exagerado. Igualmente manifestei preocupação quanto à isenção com que desempenharia a sua função. Na altura referi algo que mantenho – eu penso que a celebração da democracia exige isenção ideológica e programática. Mas Pedro Adão e Silva diz que Passos Coelho e a troika (uma dádiva originada pela gestão do seu querido Sócrates) foram mais danosos do que Álvaro Cunhal e o PREC.

Goste(-se) ou não, Pedro Adão e Silva, apesar de já não ser militante socialista, é um boy socialista. De que socialismo é boy é a dúvida em aberto…

3 Não há dúvida de que o 25 de novembro é uma data que traça uma linha divisória. Divide claramente a democracia da [possibilidade de outra] ditadura. Divide os partidos que defendem totalitarismos (PCP, BE e alguns socialistas, ou pseudo-socialistas) dos partidos democráticos. É por causa do 25 novembro que há pluralidade de expressão e que os partidos extremistas e anti-democráticos como o PCP e o BE são legais em Portugal. Sem o 25 de novembro, Portugal só teria um partido político.

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4 Qual é a data que não divide? O 25 de abril não deixa de dividir os portugueses, ou alguns. O 25 de novembro, que possibilitou a concretização do processo constitucional e a democracia, é um problema. Já o processo revolucionário e a ilusão comunista da ditadura do proletariado devem ser acarinhados e realçados. É aqui que se vê todo o esplendor da falta de isenção de Pedro Adão e Silva. A sua preocupação é o que divide a esquerda e não o que divide os portugueses.

5 Quando foi nomeado comissário Pedro Adão e Silva disse algo que deve ser recordado. Primeiro, afirmou que a democracia tinha problemas quando algumas pessoas não concordavam com a nomeação dele. Que raio de entendimento tem Pedro Adão e Silva de democracia? Não é possível discordar ou expressar preocupações relativamente à sua indicação como comissário? Será que Pedro Adão e Silva nunca criticou alguma nomeação para cargos públicos?

Segundo, devido às questões de incompatibilidades, deixou de ser professor universitário, mas continuou a ser comentador. Pode ser estranho para alguns, especialmente para Pedro Adão e Silva, mas a incompatibilidade do cargo de Comissário para as Comemorações do 25 de abril é incomensuravelmente maior com o comentário do que com a universidade. Permite ser juiz em causa própria.

É, de facto, muito estranho que a opção tenha sido ficar como comentador em detrimento de continuar como professor. Quanto mais penso nisto, mais me convenço de a probabilidade motivacional ser capitalista, nomeadamente monetária e fiscal. Como comentador Pedro Adão e Silva pode ganhar mais do que ganhava como professor. Para além disso, como o comentário pode estar enquadrado no âmbito da propriedade intelectual (Decreto-Lei n.º 143/2014, de 26 de setembro – Regulamento de Registo de Obras Literárias e Artísticas), o enquadramento fiscal é substancialmente mais apelativo.

6 O valor da história não pode ser posto em causa. O 25 de novembro é uma das datas mais significativas da democracia portuguesa. Sem o 25 de novembro, o 25 de abril teria originado outra ditadura. E é inquestionável que o 25 de novembro faz parte do legado de Mário Soares e do socialismo democrático por ele representado.

Espero que não haja aqui uma intenção de reescrever a história. Até porque a celebração da democracia exige isenção ideológica e programática. Independentemente do propósito, tal como escrevi a 23 de junho de 2021, as “Socialíadas” de Pedro Adão e Silva já estão a acontecer: propaganda em pleno, isenção em declínio.

7 Creio que as ligações estranhas entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, que potenciaram, e muito, a endogamia socialista, vão alterar-se agora que o PS tem supremacia absoluta na Assembleia da República. Vai ser interessante ver o que acontecerá, mesmo sabendo que a isenção permanecerá ausente.

P.S. – Enquanto escrevia este artigo Pedro Adão e Silva foi indicado como Ministro da Cultura do XXIII Governo Constitucional. Espero que se acabem as acumulações, quer no comentário político, quer no comissariado das comemorações do 25 de abril.

P.P.S. – O desconforto entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa devido à divulgação dos nomes do XXIII Governo Constitucional é indicativo e tem significado.