Como pode a democracia funcionar melhor? Reforçando as normas de confiança, reciprocidade e participação cívica. (Putnam, 1993)

De acordo com dados do European Social Survey, Portugal tem valores inferiores à Europa no que concerne à capacidade dos cidadãos para tomar parte na vida política, capacidade de influenciar o sistema político e satisfação com a democracia, estando ainda longe de alcançar uma dimensão cívica forte.

De acordo com o Primeiro Grande Inquérito sobre Sustentabilidade (2016), apenas 30,1% dos portugueses é membro associado de uma organização não lucrativa e pouco mais de 22,3% realiza trabalho voluntário em organizações não lucrativas.

Porém, surpreendentemente (ou não), os índices de participação em Portugal por via de mecanismos de democracia participativa apresentam valores superiores aos do resto da Europa, de que resulta uma predisposição não negligenciável dos cidadãos que importa, naturalmente, potenciar.

Não obstante, estes mecanismos não devem ser vistos como um fim em si mesmos, esgotando a “participação” dos cidadãos na vida pública. Ou seja, a participação não se deve cingir à definição de políticas públicas por via de orçamentos participativos e consultas públicas, mas alargar-se à execução dessas políticas, transformando a democracia participativa numa democracia colaborativa, onde múltiplos actores são chamados a planear e a executar activamente as políticas públicas.

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Isto vem a propósito das eleições autárquicas em Lisboa e do paradigma de um “desenvolvimento verde inclusivo” que conjuga os três eixos – económico, ambiental e social – em que os lisboetas deverão ser chamados a “colaborar”:

Eixo 1 – Desenvolvimento sustentável

As cidades devem constituir-se como polos agregadores de atracção para empreendedores e empresas inovadoras, indutoras de investimento e emprego, criando, no âmbito das suas atribuições e competências, as condições para criação de hubs de inovação de startups e empresas já consolidadas com escala nacional.

Para além de harmonizar a investigação académica e científica com a criatividade e inovação empresarial (nem sempre fácil de concretizar), o poder local tem uma palavra importante na mitigação dos “custos de contexto” que dificultam a implementação e crescimento de projectos e empreendedorismo (e.g. morosidade, complexidade, carga burocrática, administrativa e fiscal).

Lisboa tem condições únicas para se constituir – não apenas como uma referência para o turismo ou a anfitriã da Web Summit – como polo de inovação tecnológica para aproveitar as oportunidades associadas à revolução industrial 4.0.

Eixo 2 – Dimensão social

A acrescer à necessidade de implementar uma política de habitação com rendas acessíveis mais transparente e profícua, com vista a reforçar a coesão social, importa, a montante, também aqui reduzir os “custos de contexto” dos projectos imobiliários, de molde a que os preços praticados possam ser mais compatíveis com o poder de compra dos Portugueses que desejam morar em Lisboa.

Por outro lado, a digitalização, a inteligência artificial e a robótica, bem como a crescente adesão ao teletrabalho terá um forte impacto no tecido urbano. O potencial fluxo de conversão de áreas de escritórios em habitações deverá ser respaldado num quadro legal apropriado, que não faça depender a alteração dos fins dos imóveis à aprovação das assembleias de condóminos, sem prejuízo da manutenção do devido licenciamento administrativo.

A crise pandémica evidenciou também a necessidade imperiosa de atribuição a todos os lisboetas de um médico de família, que possa garantir a prestação de cuidados de saúde, bem como agilizar eventuais processos de vacinação futuros (a serem necessários).

A pandemia veio revelar que o poder local é o que está em melhores condições para corresponder a uma mais rápida e eficaz resposta social, por estar mais próximo e mais atento às necessidades das populações.

Eixo 3 – Ambiente e mobilidade

Sabendo-se que os veículos particulares em Lisboa ficam estacionados, em média, mais de 90% do tempo, parece indiscutível assumir que a cidade não deve ser “desenhada” para estar ao serviço dos automóveis.

Tão pacífica para todos é esta premissa, quanto evidente será que isso só é possível através da criação das condições mínimas para que quem habita nos concelhos limítrofes – e tem de continuar a deslocar-se para trabalhar em Lisboa – possa utilizar os transportes públicos.

Porém, durante o mandato do actual executivo camarário não foram criadas zonas de estacionamento a custos controlados com acesso aos transportes públicos.

Por outro lado, a atribuição da titularidade administrativa do serviço público da Carris exclusivamente ao Município de Lisboa – sem a criação, pelo menos, de uma estrutura intermunicipal para a sua gestão -, não garantiu uma visão integrada dos serviços de transporte que assegurasse uma interligação com os concelhos limítrofes.

Acresce que a expansão da rede do metropolitano através da linha circular fez adiar (ou prejudicar irremediavelmente?) as ligações a esses concelhos…

Por último, a linha de comboios de Cascais, que funciona numa tensão eléctrica diferente da utilizada nas restantes linhas do país, não teve qualquer intervenção significativa de reabilitação e melhoramento.

Ora, não é retirando parquímetros e construindo ciclovias sem a criação prévia das condições de utilização de comboio, metro e autocarro que se lançam as bases de uma mobilidade sustentável, inteligente e integrada nos concelhos de Lisboa, Cascais, Oeiras, Sintra, Amadora, Loures e Odivelas.

Para isso, é necessário aumentar a frequência das carreiras e a qualidade dos transportes públicos, harmonizando e simplificando a bilhética do comboio, metro e autocarro, integrando-os com os veículos partilhados, TVDE e mobilidade suave, optando-se, em alguns casos, sempre que possível, pela gratuitidade dos passes como é o excelente exemplo de Cascais. A inteligência artificial e as smart cities apresentam potencialidades na interligação e ganhos de eficiência na área dos transportes que devem ser rapidamente implementados.

Ainda na área ambiental, o lixo acumulado e espalhado durante vários dias junto aos contentores um pouco por toda a cidade (agora mais atenuado pela inexistência de turistas), demonstrou a falência da operação de recolha de resíduos em Lisboa.

A recolha de resíduos piorou abruptamente em Lisboa, sem uma política consistente de promoção da separação de lixo com vista a reduzir o fluxo de indiferenciados e aumentar a reciclagem, nem uma estratégia para os bioresíduos (para além de um incipiente programa de compostagem doméstica), nem de promoção de economia circular, com ausência de qualquer estímulo ou gamificação dos comportamentos promotores da reutilização por parte dos munícipes.

Na candidatura para a atribuição do prémio atribuído a Lisboa de Capital Europeia Verde, os factores decisivos terão sido a criação de um parque urbano em Entrecampos, um corredor verde que ligasse Monsanto ao Tejo (regado com água da ETAR) e o projecto da Praça de Espanha com uma bacia de retenção de água para o controlo de cheias (único que foi executado).

O júri fundamentou a decisão de atribuição do prémio a Lisboa pelo facto de ter atingido “uma redução de 50% nas emissões de CO2 entre 2002 e 2014″, bem como “o consumo de energia em 23% e o consumo de água em 17% de 2007 a 2013”. Ora, a única medida adoptada nesta matéria da responsabilidade do executivo municipal foi a criação das “zonas de emissões reduzidas” com proibição da circulação de carros antigos no centro, mas que é de duvidosa aplicação efectiva e eficácia ambiental, atendendo à (quase) inexistente fiscalização e controlo.

Segundo a Comissão Europeia, o prémio de Capital Europeia Verde é atribuído como reconhecimento pelos esforços das cidades no envolvimento da população na sustentabilidade ambiental, social e económica.

Em Lisboa nunca se “envolveu” a população na definição das políticas.

É necessário criar uma rede de cidadãos, instituições, associações, ONG’s, representantes de trabalhadores e ordens profissionais, universidades, empresas, comerciantes…

Mais do que participar, é preciso criar as condições para que todos possam colaborar com Lisboa para o pós-Covid.