Tentarei aqui responder a três perguntas básicas, e recorrentes, que podem ajudar a compreender o que tenho dito sobre o país político.

Porque falo tanto de Lisboa?

Efectivamente, falo muito de Lisboa e a primeira razão é prosaica: porque é o que conheço. Erramos menos se falarmos do que conhecemos. E a segunda razão é pela importância. Não se trata de “centralismo”, é uma simples constatação. A importância de Lisboa está na dimensão da cidade, na complexidade da sua política, e também no próprio orçamento, destacadamente o mais alto de todos os concelhos portugueses – este ano ultrapassou 1.300 milhões de euros. Por outro lado, Lisboa é o laboratório político do país. Os grandes partidos usam a câmara como um centro de estágios para formação de pessoal político. Treinam-se aqui futuros governantes, ensaiam-se argumentos e alianças; o PS, que governou Lisboa durante 14 anos de seguida (e mesmo antes disso, muito mais tempo do que qualquer outro partido), governava Lisboa com a extrema-esquerda há décadas. Muito antes de montar a geringonça, em 2015, já o PS governava afinadíssimo em coligação com o PCP e com o Bloco. Que me lembre, pelo menos desde o tempo de João Soares. E saíram dali, directos da câmara de Lisboa, um presidente da República (Jorge Sampaio), dois primeiros-ministros (António Costa e Santana Lopes), e mais uma abundância de ministros, secretários de Estado, membros de gabinetes e administradores de empresas públicas. Quer isto dizer que, observando Lisboa, consegue-se ter uma ideia muito aproximada daquilo que é provável vir a acontecer no governo de Portugal.

O que é a esquerda?

A que me refiro quando digo “a esquerda”? Divido a resposta em dois planos. No plano filosófico, e muito resumidamente, a esquerda acredita no Estado como motor de mudanças na sociedade. Está aqui o moralismo da esquerda. A esquerda imagina que sobe ao poder, instala-se no Estado, para impor dali para baixo a maneira como a sociedade se deve comportar, e como os indivíduos devem pensar e organizar-se. É assim que a esquerda sente estar acima da crítica, o escrutínio não se aplica ao demiurgo. É por este tipo de poros que a esquerda absorveu tão bem a cultura woke, e aplica zelosamente a respectiva ditadura sem se perturbar perante as suas estrepitosas inconsistências.

No plano prático, a esquerda é o conjunto dos partidos situados do PS para lá; ou seja, é o PCP, o PEV, o Bloco, o Livre, o PAN e o próprio PS. Por exclusão de partes, os outros serão os partidos da direita, apesar de nem sempre se comportarem tão solidamente à direita como eu gostaria. Refiro-me ao PSD (apesar de Rio e outros infortúnios); ao Chega, à IL (que não quer ser direita) e também ao CDS (ainda existe muito CDS no Portugal autárquico).

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Porque insisto em acusar o PS?

Porque o PS se tornou hegemónico. O PS manda em tudo. Nada se faz em Portugal contra a vontade do PS; mesmo quando não está no governo, o PS está sempre no poder. Entre outras benfeitorias, o PS é responsável pelo crescimento, pela força e pela influência que a extrema-esquerda foi ganhando ao longo do tempo e ainda tem no Portugal de hoje em dia. O PS deixou crescer a extrema-esquerda deliberadamente, para se poder servir dela. Para poder formar com ela maiorias parlamentares (como se viu em 2015). Mas não só por isso. Também a deixou crescer para criar uma determinada percepção política. Enquanto as várias versões de comunismo andarem pelas universidades, pelos jornais, pelas “artes” e pelas televisões, a exibir o seu radicalismo, o seu extremismo e o seu absurdo, o PS aparece, por contraste, como o partido equilibrado, sensato, o partido “de Estado” que vai pôr a extrema-esquerda na ordem.

A única maneira de livrarmos Portugal da pobreza e do atraso, ou seja, do PS, e de toda a tralha esquerdista que o PS arrasta com ele, é com um projecto de poder à direita. O primeiro gesto é identificar o PS como o grande obstáculo português. E depois é preciso contar com a direita toda, sem qualquer espécie de “linhas vermelhas” ou “cordões sanitários” de moralidade política. Neste momento, a linha vermelha tem de estar desenhada nos pés do Partido Socialista; e, à direita, os partidos vão ter de arranjar um modo de se entenderem. Não há outra maneira de vencer esta instalação poderosíssima.

Por outro lado, não se vence o PS e a esquerda sem desmontar as ideias do PS e da esquerda; este é o primeiro ponto que a direita deve compreender – tem essa obrigação – em vez de andar de chapéu estendido atrás das ideias da esquerda, à espera de se ver reconhecida e obter um carimbo de democraticidade que, de resto, os partidos da esquerda acabam por nunca lhe dar.