Entre os livros de autores portugueses para férias, a minha primeira escolha vai para Quinta-feira e outros dias, de Aníbal Cavaco Silva (Porto Editora, 2017). Trata-se do primeiro volume sobre os dois mandatos presidenciais do autor (2006-2016).

Na minha primeira cónica aqui no Observador, em Março do ano passado, argumentei que aquele que tem sido retratado como o ‘provinciano de Boliqueime’ pode na verdade ter sido um dos nossos políticos mais modernizadores e ocidentais destes últimos 40 anos — a par de Sá Carneiro e Mário Soares.

O livro foi apresentado no Centro Cultural de Belém, em Fevereiro, por Manuel Braga da Cruz. Nessa ocasião, o antigo Reitor (2000-2012) da Universidade Católica, recordou: Aníbal Cavaco Silva foi “o político que mais eleições venceu em democracia — nada menos que cinco — que maior número de maiorias absolutas conseguiu —- quatro, duas das quais exclusivamente partidárias, que durante mais tempo esteve ao leme deste país: 10 anos como primeiro-ministro no tempo da convergência europeia, 10 anos como Presidente da República, nos anos da divergência com a Europa”. Talvez estas possam constituir algumas modestas razões para recomendar a leitura deste primeiro volume de memórias presidenciais de Cavaco Silva.

Manuel Braga da Cruz, por seu turno, também publicou um livro recente sobre O sistema político português (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2017). No tom tranquilo e seguro que sempre o caracteriza, procura identificar os factores estruturais que podem explicar a degradação do nosso sistema democrático representativo, com o crescente afastamento e quebra de confiança entre eleitos e eleitores.

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Esse diagnóstico permite-lhe em seguida apresentar significativas propostas de reforma — visando evitar “indesejáveis rupturas constitucionais”. Todos faríamos bem em conhecer e reflectir sobre estas propostas — sobretudo, em meu entender, a de reformar o sistema eleitoral e a de restaurar a tradição bicameralista — bem como sobre a análise ponderada que lhes subjaz.

Caminhos e Destinos: A memória dos outros (II), de Marcello Duarte Mathias (Dom Quixote, 2017), é outra obra recente incontornável. Desta vez não são os deliciosos Diários da Abuxarda ou o Diário de Paris, a que o autor nos tinha gentilmente habituado. Trata-se de uma colectânea de ensaios sobre livros e autores — desde Sophia de Mello Breyner a Albert Camus, passando por Koestler, Schlesinger e Giscard D’Estaing, entre muitos outros.

O autor diz-nos que este seu novo livro é “também uma forma de reconhecida gratidão aos livros e aos autores — ao muito que com eles aprendi, ao muito que lhes fiquei a dever.” Essa reconhecida gratidão será agora por certo reciprocada pelos leitores deste livro subtil em que, a propósito de outros livros e de outros autores, somos convidados a reflectir sobre temas perenes da nossa identidade nacional no contexto atlântico e europeu, da nossa diplomacia e da nossa política externa.

Anatomia de uma revolução: A Reforma Agrária em Portugal 1974-1976, de António Barreto, acaba de ser reeditado com um vigoroso Prefácio de Maria de Fátima Bonifácio. O livro mereceu justíssimo destaque aqui no Observador, exactamente 30 anos depois da sua publicação original (1987) e numa altura em que a Lei Barreto faz 40 anos (Lei de Bases da Reforma Agrária, aprovada no parlamento a 22 de Julho de 1977).

António Barreto é outra rara voz tranquila e independente que os portugueses se habituaram a respeitar. Esta pode ser uma nova oportunidade para revisitar a tocante biografia intelectual que Fátima Bonifácio recentemente lhe dedicou em António Barreto: Política e Pensamento (Dom Quixote, 2016).

A terminar, recomendo enfaticamente o mais recente livro de João Pereira Coutinho, Edmund Burke: A virtude da consistência (Universidade Católica Editora, 2017). Retomando argumentos já tratados na sua tese de doutoramento na Universidade Católica, e apresentados também no European Studies Centre da Universidade de Oxford, o autor discute o chamado “problema dos dois Burkes”: como será possível conciliar o opositor da Revolução Francesa com o mesmo Burke que, anos antes, apoiara a causa independentista americana?

A pergunta não tem mero interesse historiográfico ou biográfico. Na verdade, como argumenta João Pereira Coutinho, tentar compreender Burke é tentar compreender aquilo que Elie Halevy e Gertrude Himmelfarb designaram por “milagre inglês”: como é que a Inglaterra moderna conseguiu assimilar tantas revoluções — industrial, económica, social, política, cultural — sem recorrer à Revolução?

De certa forma, os seis títulos aqui recomendados partilham essa comum disposição: a preferência civilizada pela evolução gradual e institucional, em detrimento da mudança abrupta e revolucionária. Como se costuma dizer, todos sabemos onde e como começam as revoluções, mas ninguém sabe onde e como terminam.

Votos de boas férias e de boas leituras. Conto estar de volta a 4 de Setembro.