Saiu há poucos dias na reputada revista médica The Lancet um novo estudo científico sobre a futura esperança de vida média em 35 dos países mais ricos do mundo e publicitado resumidamente na imprensa mundial. Aí anunciavam os investigadores que, em 2030, a projecção para a esperança de vida dos indivíduos do sexo feminino atingiria pela primeira vez os 90 anos na Coreia do Sul. Por sua vez, Portugal, com um aumento superior a 4 anos de vida relativamente aos valores actuais, seria o terceiro que mais progrediria daqui até lá, ultrapassando a esperança de vida média à nascença os 85 anos. Os homens estariam entre a dezena que mais progrediria mas ficariam ainda bastante longe das mulheres, como continua a ser uma marca negativa em Portugal confirmada por este estudo, com uma esperança de vida abaixo dos 80 anos. Estas projecções baseadas num estudo comparativo altamente sofisticado foram saudadas como uma conquista notável.

Com efeito, o aumento da longevidade com mais anos de vida saudável é considerado uma bênção para os indivíduos. Resta saber o que se passa ao nível societal. Efectivamente, o aumento da esperança de vida não é a mesma coisa que o envelhecimento sócio-demográfico. Este último é um quociente medido, convencionalmente, entre o número de pessoas com 65 anos ou mais e o número de pessoas com menos de 15 anos. É o chamado índice de envelhecimento, o qual não tem parado de aumentar em Portugal e que é hoje dos mais altos do mundo (143,9 em 2015), pois reflecte uma esperança de vida razoável (superior àquela que nos caberia em função do PIB per capita, compare-se por exemplo com os Estados Unidos…) combinada com a mais baixa taxa de fecundidade de todos países considerados no estudo (1.24).

A sub-reprodução natural da população portuguesa recua ao Censo de 1981 (depois da emigração dos anos de 1960 e ’70 e apesar da vinda dos antigos colonos após o 25 de Abril) e só não foi mais grave graças à imigração até à crise de 2007, depois da qual se entrou na presente situação de perda populacional sistemática. No mais completo estudo retrospectivo e prospectivo realizado em Portugal por uma equipa de demógrafos coordenada pelo falecido Professor Mário Leston Bandeira, a estimativa central para a população residente em Portugal, incluindo a eventual imigração após 2030, era cerca de 9,4 milhões em 2030 e 7,5 em 2061…

Para além do profundo significado cultural de uma perda populacional daquela envergadura, um envelhecimento como aquele que atingiu a sociedade portuguesa representa uma enorme série de riscos que estão muito longe de ser enfrentados com realismo e coragem. Não só pelos políticos que pretendem representar-nos e dirigir-nos como pela maioria desses comentadores que perdem tempo com «fracturas» do género da «eutanásia» destinadas a distrair-nos do essencial, em vez de se debruçarem sobre o envelhecimento imparável do país e sobre os efeitos de toda ordem que daí já advêm e continuarão a advir!

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Ora, esses riscos são inúmeros, desde os potenciais conflitos inter-geracionais até à eventual dependência física, mental e económica dos idosos. O próprio estudo da Lancet assinala os mais óbvios: se é certo que os ganhos em longevidade se ficam a dever às melhorias do estatuto económico e do capital social, incluindo a educação, particularmente na Coreia do Sul e no Japão, também se devem ao crescente acesso aos cuidados de saúde primários e secundários, bem como às novas tecnologias médicas e à diminuição das desigualdades em saúde, sobretudo para as mulheres, comparadas negativamente com a baixa esperança de vida dos USA, por exemplo. Se não fossem os factores positivos enumerados, os riscos do envelhecimento seriam maiores!

Conclui o estudo que o desafio colocado pela maior longevidade da população destes países aos sistemas de saúde e de segurança social é, hoje, o dos cuidados continuados perante a co-morbilidade e a mobilidade limitada dos idosos, o que supõe novas instalações e pessoal de qualidade, assim como o aumento de cuidados a prestar na comunidade e a domicílio. Concretamente, o crescente envelhecimento exigirá alterações profundas do ambiente construído e do sistema de transportes de maneira a que os serviços sociais assegurem efectivamente às pessoas mais velhas condições de vida autónoma e possibilidades de mobilidade como as que não existem na cidade de Lisboa.

Por último, segundo os investigadores, a segurança social e o sistema de pensões implicarão forçosamente mais despesa e isso aumentará a pressão financeira, a não ser que as actuais práticas mudem a fim de instaurar uma transição gradual para a reforma e/ou uma idade de aposentação mais tardia. Essa bênção do aumento da esperança de vida exige, pois, políticas públicas de apoio a um envelhecimento activo e saudável, o que implica uma reestruturação radical do processo de educação-trabalho-reforma, assim como o investimento em saúde, cuidados sociais e mobilidade. Ora, é isto que o actual governo não quer ouvir!