O Presidente russo, Vladimir Putin, já nos habituou a declarações bastante duras que, frequentemente, são expressas com ajuda do calão. Trata-se de uma forma de mostrar aos seus súbditos e ao mundo que não tem papas na língua e que alegadamente não se dá bem com o politicamente correcto.

E, por isso, não perdeu a oportunidade de mostrar a sua “firme linguagem popular” perante 1390 jornalistas nacionais e estrangeiros e numa conferência de imprensa transmitida em directo por todos os canais de televisão e rádio públicos da Rússia.

As palavras mais duras da conferência de imprensa foram dirigidas à Turquia, ou melhor, aos seus dirigentes. Depois de considerar que o derrube do avião russo pela força aérea turca foi uma “acção inimiga”, Putin insinuou que uma das explicações para isso reside na possibilidade de os dirigentes turcos “talvez tivessem querido lamber num certo sítio aos americanos”.

O dirigente russo acusou os dirigentes turcos de estarem a islamizar o seu país até ao ponto de Ataturk (primeiro Presidente turco que criou um Estado laico no seu país) “estar a dar voltas no caixão” e avisou a União Europeia e os Estados Unidos de que se irão arrepender se continuarem a tolerar esse processo.

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Talvez entusiasmado pelos aplausos com que os jornalistas receberam a pida da “lambidela”, o líder russo, além de prometer novas sanções contra Ancara, preveniu: “se antes a aviação turca sobrevoava a seu bel-prazer os céus da Síria e violava permanentemente o seu espaço aéreo, faça-o agora!”. Por outras palavras, Vladimir Putin apresentou um ultimato aos dirigentes turcos: ou pedem desculpa pelo derrube do avião e pagam os prejuízos causados, ou Moscovo não descansará enquanto não der uma resposta no mínimo “simétrica”.

Por enquanto, a Rússia e a Turquia estão envoldidas numa guerra de nervos e de propaganda, os pequenos conflitos que se têm registado com navios dos dois países também não parecem ir além dessa guerra. Porém, não se pode excluir que uma manobra mais brusca de uma das partes agudize gravemente a crise entre os dois países.

Numa clara manobra de antecipação diplomática, Putin anunciou que o seu país iria apoiar o projecto de resolução sobre a Síria que os Estados Unidos apresentarão no Conselho de Segurança da ONU. O líder russo rejeitou qualquer possibilidade imediata de demissão de Bashar Assad do cargo de Presidente da Síria e acrescentou que a proposta norte-americana prevê a elaboração de uma nova Constituição síria, a realização de eleições transparentes. Ou seja, Putin deixou claro que a Casa Branca recuou e aceitou a proposta de Moscovo de manter temporariamente Assad no cargo com vista a desbloquear o processo de resolução política em torno da Síria. Na sexta-feira, John Kerry e Serguei Lavrov, chefes da diplomacia norte-americana, deverão dar os últimos retoques nessa resolução, no encontro que irão realizar em Nova Iorque.

Mas o dirigente russo afirmou ter ficado surpreendido com a notícia da criação pela Arábia Saudita de uma coligação para combater o Estado Islâmico, frisando que os Estados Unidos já antes tinham formado uma de que fazem parte todos os membros da nova coligação e apelando à concentração de forças.

Também no campo da política externa, Putin não podia deixar de lançar farpas aos actuais dirigentes norte-americanos. O dirigente russo não esconde a sua simpatia pelo republicano Donald Trump, “um homem, sem dúvida, colorido e talentoso. Não é nossa taefa definir a sua dignidade, mas ele é o líder absoluto da corrida presidencial”.

“Ele diz que quer passar para outro nível de relações – mais intenso e profundo – com a Rússia; será possível não saudar isso? Claro que saudámos isso!”, frisou.

Se Trump for eleito como Putin deseja, o futuro Presidente americano ainda terá muitas oportunidades de se encontrar com o seu admirador no Kremlin. Tendo em conta a simpatia do dirigente russo por Marie Le Pen, é caso para dizer: “diz-me com quem andas e eu digo-te quem sou!”.

Tentando passar a imagem de que Moscovo tem uma palavra a dizer nos assuntos internacionais, nomedadamente na área do futebol ou do doping no desporto, o dirigente russo, depois de criticar a ingerência de Washington nos assuntos internos da FIFA, teceu longos elogios ao seu presidente Josef Blatter, considerando que “ele merece o Prémio Nobel da Paz”.

É de fazer notar que pelo menos a primeira pergunta do jornalista do diário russo Komsomolskaia Pravda já estava acordada com Putin, porque, quando lhe perguntou sobre a crise no país, o líder russo pegou em folhas e dissertou durante vinte minutos a propósito dos êxitos da sua política interna. Considerou que o país já “ultrapassou o ponto mais alto da crise” e previu crescimento económico para os próximos anos, prometeu não se esquecer dos reformados, camponeses, etc.