Há lugares que não esquecemos. Existem determinados sítios por onde passamos, que espontaneamente, invocam lembranças. Levam ao despoletar de memórias ligadas a momentos significativos, sejam estes experiências vividas só connosco, pensamentos decisivos tidos em fases cruciais da vida, momentos vividos com outros, no contexto de relações importantes.

Lugares carregados de memórias afectivas, marcos na história da nossa vida.

Estes lugares, são mais do que o território geográfico que ocupam. São lugares que nos passam a pertencer por dentro. Sejam lugares de sempre ou lugares ocasionais. Lugares mais familiares, de convivência mais assídua, que sedimentam camadas de experiências, como os caminhos que percorremos diariamente mas que vão fixando memórias sem nos darmos conta, ao longo das diferentes idades e fases da vida. E outros, que visitamos de tempos a tempos, os sítios das férias, alguns passeios, recantos citadinos ou esconderijos no campo. Ainda, guardamos aqueles lugares que fomos uma só vez na vida mas que ficam gravados para sempre, locais de casamentos, também de divórcios, viagens especiais.

Precisamos de sentir algum sossego e deter um olhar distante para reconhecermos estes territórios que  ocupam o nosso espaço interno. Lembrar as histórias vividas permite tanto reviver como colocar em perspectiva o que foi vivido e é revivido a partir do momento presente.

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O conceito de espaço potencial, do psicanalista Donald Winnicott, pode ajudar a enquadrar e identificar esse lugar de intersecção entre a realidade interna e externa, colocando-nos num lugar da exploração da criatividade e da vivência da experiência psíquica na relação lúdica que podemos tecer neste lugares íntimos a partir dos lugares físicos. Nesse espaço que faz parte do desenvolvimento precoce, inscreve-se a possibilidade de o bebé brincar com a mãe e viver a experiência da separação sem a verdadeira separação. É, gradualmente, que vai desenvolvendo confiança e compreensão do mundo envolvente. A aprendizagem e a consolidação das experiências são mais fruto da experiência cultural do que daquilo que é inato. Assim aqui, neste espaço potencial, cada um vai completando a construção do seu próprio self. Daqui, percebemos como os lugares memoráveis, são-nos estruturas importantes tais alicerces edificantes.

Saber que podemos sempre recorrer a estes lugares, dá-nos um sentimento de segurança, e em alguns momentos mais difíceis, servem-nos como um reforço de confiança e amor próprio. Possuirmos esta noção de continuidade do caminho percorrido com uma riqueza de peripécias, ajuda a inspirarmo-nos e refortificarmo-nos. Quem é capaz de lembrar e de se deixar acompanhar pelas memórias, não se sente sozinho.

Fazendo parte do histórico dos lugares memoráveis também más memórias, segundo o que os estudos apontam, as melhores memórias prevalecem. Como tal, podemos considerar que podemos contar com mais bons do que maus lugares dentro de nós para nos fazer boa companhia. Havendo necessidade, toquemos na nossa campainha.

Numa expectativa futura, seguindo a linha da vida que não para, ir mantendo o legado de colecionar lugares, vai permitir ampliar o território interno que passa a ser cada vez mais pontuado com a sinalética dos sítios onde estão escondidos os cofres com tesouros.  E, assim, acumular lugares memoráveis.

anaeduardoribeiro@sapo.pt