Esta crónica podia ter outro título e ainda pensei pedir emprestado ao escritor Julian Barnes o seu “Nada a Temer”, mas talvez os estudantes a quem me dirijo não se identificassem tanto com ele. Penso, sobretudo, naqueles que não conseguiram entrar nas universidades para fazer o mestrado que escolheram porque certamente acreditavam que mudaria o rumo das suas vidas. E escrevo precisamente para estes, para os que estão profundamente desanimados perante o sonho destruído. Para os que estão tão abalados que nem sequer conseguem pensar num plano B.

As esperanças depositadas nas candidaturas a mestrados podem desencadear uma verdadeira montanha russa de sentimentos para quem aposta em consolidar conhecimentos nas suas áreas de preferência, explorar novas matérias ou aventurar-se noutras especialidades, mas não é aceite nas escolas. As opções que fazem, a busca pelas melhores universidades e o próprio processo de candidatura pode ser exigente, mas é quase sempre vivido em alta. Numa expectativa feliz de terem um lugar assegurado para concluir mais uma fase de estudos e, à frente, garantirem que haverá mais portas abertas no mercado de trabalho.

O problema, para os que não entram, é a descida brutal, muitas vezes inesperada ou até sem sentido, que fazem a pique, sem amortecedores e porventura sozinhos, pois à sua volta há sempre muitos colegas felizes e prontos a festejar por terem conseguido o que queriam. Também por isso, os que ficam atordoados sentem-se ainda mais desamparados na queda e acham que dificilmente terão forças para voltar a subir.

Percebo-os, porque todos os anos lido com universitários que passam por esta provação e sei que pode ser extraordinariamente difícil enfrentar esta realidade, mas se hoje escrevo é porque também sei que a vida tem mecanismos fabulosos de autorregulação e muitos dos jovens que se sentem perdidos e rejeitados acabam por encontrar um caminho mais certo, e mais à sua medida, justamente por não terem entrado nas universidades a que se candidataram.

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E este é o ponto que quero marcar: não é verdade que um sonho desfeito agora fique desfeito para sempre. Muito pelo contrário, insisto. O futuro está tão aberto e é tão favorável aos que têm o mérito e a sorte de entrar nos mestrados da sua opção como para os que são obrigados a repensar os próximos passos da sua vida académica.

Entre as centenas de universitários que tenho acompanhado nesta fase de candidaturas, contam-se algumas dezenas de ‘negas’ e consequentes frustrações. Estes alunos voltam quase sempre a falar com os professores que lhes escreveram cartas de recomendação ou são, de alguma forma, referência para eles. Voltam abatidos, claro. E o papel dos professores não passa por dar palmadinhas nas costas, dizendo que vai correr tudo bem. O nosso papel é ouvir com atenção, validar o que estão a sentir, tentar perceber o que aconteceu e o que pode ter falhado, abstendo-nos de lhes dar conselhos imediatistas, repentistas, generalistas. Se nos pedirem opinião, damos. Mas se estão apenas a precisar de ser ouvidos e compreendidos, ouvimos e refletimos com eles. Importa não os deixar vitimizar-se e é fundamental evitar comparações.

Alguns jovens precisam de reforçar a confiança para superar a adversidade e cabe-nos resgatá-los e orientá-los para outras possibilidades, mas há quem procure apenas um ombro, um amortecedor, alguém capaz de os consolar e entender, até para poderem chegar a casa mais fortes para transmitirem a má notícia. É sempre uma frustração para os próprios, mas os pais são quase sempre muito reativos e, mesmo sem quererem ou sem se darem conta, dizem coisas que agravam ainda mais o desalento.

Para quem está de fora e não vive as coisas por dentro é muito fácil dizer banalidades, mas para quem experimenta a desolação da rejeição e só vê um muro alto e intransponível quando olha em frente, chega a ser dramático.

Sempre que um filho chega a casa e diz: “Pai, mãe, não entrei!”, vale a pena parar tudo e fazer dele uma prioridade absoluta naquele momento. Fingir que não é grave, desatar a dar alternativas ou pregar sermões são comportamentos altamente desaconselhados. Tóxicos, mesmo. Tal como no fim dos namoros dos nossos filhos não nos cabe fazer grandes apreciações sobre a ex-namorada ou o ex-namorado, também nesta situação nos devemos abster de comentários desnecessários.

A atitude mais construtiva e resgatadora passa sempre por ouvir. Ouvir o que estão a dizer, mas também ouvir com o coração, tentando compreender o que estão a sentir. Dar-lhes tempo e silêncio, respeitando profundamente a necessidade que podem ter de se isolar para refletir. Mas ficar firmes e atentos na retaguarda, sem fazer drama nem perder de vista que há e haverá muitas outras oportunidades.

Conheço muitos, muitíssimos jovens que poderiam dar testemunho da sua frustração precisamente porque foi no tempo de rejeição que se reconstruiram e perceberam quem verdadeiramente eram. Muitos deles tomaram decisões radicalmente importantes por terem recebido um grande ‘não’. É impressionante conferir como muitos destes ‘não’ acabam por se revelar um grande ‘sim’ à vida e à construção do futuro.

À hora a que escrevo, muitos pais e filhos confrontam-se com a rejeição e a aparente falta de alternativas. Penso num jovem em particular a quem fecharam a porta de uma universidade de topo sem o ouvir, sem o entrevistar e conhecer. Sem ler e interpretar o seu CV, até. Rejeitado numericamente, na redutora avaliação quantitativa que deixa de fora muitas vezes os melhores. E este, que conheço bem e trabalhou ao meu lado, que deu provas de liderança, inteligência e humanidade, que há 3 anos gerou e geriu um grupo de 80 voluntários que foram para a zona de Pedrógão no rescaldo imediato dos incêndios para ajudar as populações e aí ficaram algumas semanas, este que tinha apenas 19 anos quando liderou esta task force que fez toda a diferença nas comunidades mais atingidas, foi agora rejeitado por não cumprir apenas um entre os inúmeros critérios de admissão.

Olho para ele e percebo a sua desolação, mas penso na universidade que o podia ter admitido, onde ele acrescentaria um valor incalculável e tenho a certeza de que há apenas um grande perdedor. O sistema de seleção que só olha aos números. E é por isso que acabo mesmo por usar o título do livro de Julian Barnes. A este e a tantos outros recém-licenciados digo e repito: “Nada a temer”.