A actual situação da reabertura das creches tem vindo a ser debatida dentro das famílias, das associações de profissionais e das instituições.

O tema está presente nas conversas e parece difícil chegar a uma solução única. Os pontos de vista divergem e, muitas vezes, as perspectivas e as abordagens são inconciliáveis, podendo ser resumidas numa forma algo simplista, o que pode ajudar a compreender o que está verdadeiramente em causa.

Por um lado, existem exigências complexas dentro das famílias. Há quem esteja a conseguir trabalhar tranquilamente em casa, mas também conhecemos muitas famílias que lidam diariamente com os desafios próprios do acompanhamento de crianças tão pequenas. Por outro lado, as instituições que oferecem respostas sociais e educativas nos três primeiros anos de vida são de natureza muito diferente entre si: existem creches grandes e pequenas, da rede social e de entidades privadas, com mais recursos e com menos possibilidades.

Todos gostaríamos de saber se é bom ou mau abrir as creches, mas essa questão tem algo de ingénuo. A meu ver, a questão que verdadeiramente interessa é: “existem condições para cada instituição decidir se e como reabrir a sua creche”?.

Exigir uma solução única para o problema parece impossível. É certo que o Governo tem de decidir alguma coisa, mas também é possível tomar a decisão da subsidiariedade, de devolver a responsabilidade às pequenas comunidades.

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Esta constatação não é uma consequência da pandemia, mas antes da pouca liberdade e autonomia que as creches têm nos seus projectos, nos requisitos que têm de assegurar e nas burocracias que as direcções e as coordenações devem cumprir, atirando para segundo plano os aspectos educativos e pedagógicos.

Já era assim e, se não aproveitarmos esta ocasião, poderemos perder mais uma oportunidade de repensar verdadeiramente as creches, no sentido de construir mais e melhores lugares de educação.

A creche é uma resposta social e uma resposta educativa, ou seja, acolhe crianças até aos três anos com um dupla função: ao mesmo tempo que deve assegurar o desenvolvimento global das pessoas, contribui também para uma organização social mais justa e equilibrada porque aí se apoiam as famílias que podem deixar os seus filhos com pessoas capazes e competentes para promover o seu desenvolvimento. Passou-se progressivamente da ideia de um lugar onde as crianças são “cuidadas”, para a noção de um lugar onde são “educadas”. Estamos exactamente neste ponto de viragem histórico e são conhecidos os esforços que as tutelas, as famílias e os profissionais têm desenvolvido em conjunto.

A pandemia veio pôr em evidência a urgência de decisões políticas e institucionais sobre a creche, mas trouxe também a necessidade de introduzir uma maior liberdade neste processo. Muitas vezes, as normas excessivas ignoram a responsabilidade que as próprias direcções assumem no acompanhamento das crianças; as educadoras e as auxiliares dedicam as suas vidas à missão de “fazer crescer” estas pequenas pessoas de forma alegre e equilibrada e sentem-se desvalorizadas e pouco reconhecidas.

Este tempo que estamos a viver traz, por isso, uma belíssima oportunidade. Mais do que saber “a resposta certa” sobre a reabertura das creches no microssistema actualmente em vigor, interessa que haja liberdade para reabrir e para “como” reabrir; é fundamental que as direcções possam, em conjunto com as equipas pedagógicas, delinear planos e programas educativos ajustados às necessidades das famílias concretas, que conhecem como ninguém. É crucial que seja favorecida a relação próxima dentro destas pequenas comunidades.

Sim, é de vida que se trata. “Educar, em qualquer idade, é fazer crescer”, dizia Maria Ulrich e nós repetimo-lo em pleno século XXI. Só é possível fazer crescer dentro de relações próximas, de confiança, essas sim capazes de assumir riscos, de avaliar possibilidades concretas de evitar o contágio de um vírus desconhecido como o Covid-19, mas também de promover a educação de crianças mais felizes.