1 Não vou discutir a questão da eutanásia e qual seria a minha posição porque não me sinto habilitado para tal. Apesar de por princípio considerar que o direito à vida é fundamental, tenho dúvidas sobre a questão e gostaria de estar melhor informado. Gostava que houvesse um grande debate público sobre o assunto e não apenas posições radicais sobre o tema. Gostava de ouvir especialistas sobre o tema, médicos, juristas – sobretudo constitucionalistas – e até filósofos. Gostaria de ter mais informação sobre experiências noutros países.

Claro que poderia ter passado os últimos meses a ler e a pensar sobre o assunto, mas qual seria a motivação de dedicar esse tempo à eutanásia, se a minha opinião não tem qualquer importância. Tal como a minha, a opinião de milhões de portugueses não tem relevância alguma. A legislação será decidida por 230 portugueses, os deputados (já vamos à questão da democracia representativa). O modo como a maioria de esquerda, com a ajuda do PSD, quer aprovar a eutanásia mostra muitos dos problemas actuais da política portuguesa.

Em primeiro lugar, sobretudo para o Bloco e para sectores do PS, a legalização da eutanásia nada tem a ver com o progresso da nossa sociedade. Faz parte da tentativa das esquerdas radicais de transformar todos os aspectos da nossa vida em questões políticas. Quando toda a vida se transformar em política, acaba a esfera privada, ou seja, a liberdade individual, e o parlamento torna-se num instrumento da ditadura da maioria. Essa ditadura constitui o limite da democracia representativa. Aliás, a recusa de se fazer um referendo é um sinal do modo como as esquerdas radicais tratam os eleitores portugueses. Servem para votar de quatro em quatro anos, de resto são ignorados. Se um tema como a legalização da eutanásia não deve ser objecto de consulta popular, então o melhor é acabarem com a figura do referendo.

Em segundo lugar, a votação parlamentar mostra, mais uma vez, o calculismo político de António Costa. Como disse o primeiro-ministro, interessa despachar este assunto o mais rapidamente possível. Trata a eutanásia como quem trata o preço da eletricidade ou a renda das casas. É deplorável termos um chefe de governo com a falta de elevação política e de qualidades morais que mostra António Costa.

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Ao contrário de Ferreira Leite, não tenho dúvidas que o apoio do PS à eutanásia é o preço a pagar pelo apoio do Bloco ao Orçamento de Estado (através da abstenção, mas não deixa de ser apoio, como todos sabemos), o deste ano e talvez do próximo. O voto parlamentar da eutanásia pode já ter garantido ao primeiro-ministro um governo até 2021 (e à presidência europeia de Portugal). Depois logo se vê, dependendo das eleições autárquicas.

Mas o calculismo político de Costa foi mais longe. A eutanásia é o início da campanha para as presidenciais. O primeiro-ministro tem dois objectivos para as eleições presidenciais. A reeleição de Marcelo, porque não tem alternativa e quer evitar uma derrota eleitoral. Mas Costa quer evitar uma grande vitória de Marcelo, o ideal para o governo seria uma votação abaixo dos 60%, para evitar um Presidente forte. A combinação de um governo minoritário com um Presidente com um mandato reforçado será má para Costa.

Compete a Marcelo, por uma vez, não se comportar de um modo calculista, mas sim de acordo com as suas convicções. Se o fizer, só terá uma solução: vetar uma decisão parlamentar a favor da eutanásia. Essa decisão poderá ser importante para o seu resultado eleitoral em 2021.

Há mais dois pontos interessantes na posição dos partidos sobre a eutanásia. Rui Rio tomou uma posição absolutamente liberal, quando defende a liberdade absoluta na questão da eutanásia. Diria mesmo uma posição neo-liberal. Só lamento que não seja igualmente liberal em questões mais importantes para a prosperidade económica dos portugueses.

O PCP afastou-se do resto da esquerda. Sabe que o seu eleitorado é conservador nos costumes sociais, e mostra que teme o Chega. Se o Chega conseguir que o eleitorado tradicional dos comunistas vote à direita, de acordo com o seu conservadorismo, será uma enorme vitória política. A prazo, até o PSD ficará agradecido.

2 Os alunos de um colégio da Universidade de Oxford (St. John’s) escreveram um abaixo-assinado para o director financeiro a exigir que o colégio terminasse com os seus investimentos nos sectores do petróleo e do gás. Resposta do director: “Por razões contratuais, não posso acabar com esses investimentos rapidamente. Mas se quiserem, posso desligar imediatamente o aquecimento central do colégio, alimentado a gás.” Nenhum aluno respondeu à proposta. Podem assim continuar a escrever protestos em defesa do planeta no calor e no conforto dos seus quartos.