Para quem escreve regularmente sobre política, Marcelo Rebelo de Sousa é uma bênção. A dificuldade é não escrever sobre o Presidente quase todas as semanas. Temas não faltariam. Mas os comentários, pelos caminhos de Andorra, sobre a “direita não notar” quando Marcelo “vira à direita” são demasiado tentadores. Seria impossível não escrever sobre isso.

Marcelo Rebelo de Sousa é um político de direita dos pés à cabeça. Diria mesmo que está de certo modo mais à direita do que o seu antecessor, Cavaco Silva, e do que o actual líder do PSD, Passos Coelho. De uma família das elites dirigentes do Estado Novo, o Presidente recebeu uma educação de direita. Foi educado nos valores católicos, patriotas, da ordem e da autoridade. O que não aconteceu com Cavaco nem com Passos Coelho. Mesmo sem o 25 de Abril, o seu destino seria uma vida política de sucesso no antigo regime. Nunca se lhe conheceram simpatias socialistas ou actividades de oposição ao Estado Novo. Estava confortável no Portugal em que nasceu e em que foi educado.

Apesar desse conforto, descobriu com a Revolução uma vocação e talentos políticos à medida dos novos tempos democráticos. Uma das muitas contradições de Marcelo é a sua natureza absolutamente democrática após uma educação política no centro de um regime autoritário. Marcelo sentia-se próximo, seguramente em termos intelectuais, da ala liberal do Marcelismo. Todavia, Rebelo de Sousa nunca foi um homem de afirmar as suas identidades ideológicas. Nesse sentido, tem sentido um constrangimento claro em afirmar a sua identidade política, tal como as principais figuras da direita portuguesa. Grande parte da direita em Portugal ainda carrega o fardo do Estado Novo. O que não significa que não seja de direita, sobretudo um político com a educação intelectual de Marcelo Rebelo de Sousa. Todos sabem que Marcelo não é de esquerda, nem socialista. Há sempre um ponto relevante que interessa recordar. Foi sob a liderança de Rebelo de Sousa que o PSD aderiu ao grupo do PPE. Naturalmente que há várias razões que explicam essa opção, mas não se pode desvalorizar completamente a ideológica. O percurso público de Marcelo, desde 1974, mostra um político onde se misturam a democracia cristã, sobretudo nas questões sociais, um conservadorismo moral e um liberalismo político e económico.

Há outros dois aspectos que ajudam a explicar uma certa desvalorização da dimensão ideológica em Marcelo Rebelo de Sousa. Em primeiro lugar, o seu populismo e a sua popularidade. O populismo de Marcelo não é negativo. Não apela aos maus instintos das pessoas, como muitos nas esquerdas e nas direitas mais extremistas. É um populismo positivo. Marcelo apela aos bons instintos, com simpatia e proximidade. Também o faz por pragmatismo político. Nos regimes democráticos, para se vencer eleições, é necessário ser popular. Sendo um político profissional competente, Marcelo sabe o que deve fazer para ganhar eleições. Em Portugal, as pessoas habituaram-se ainda a olhar para as principais figuras da direita como personagens distantes e reservadas, como Cavaco, Durão Barroso e Passos Coelho. Marcelo significa um corte com essa imagem. E não há dúvida que se sente muito mais à vontade nos contactos populares. Aliás, na minha opinião, ninguém como Marcelo e Mário Soares está tão à vontade no meio do povo.

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Mas os talentos populares nada dizem sobre as preferências ideológicas. Como se diz no nosso país, as aparências iludem. Se colocassem Cavaco, Marcelo, Durão Barroso e Passos Coelho numa sala, numa discussão franca sobre questões políticas, seria possível verificar que estariam de acordo sobre a maioria dos temas fundamentais da política e da economia. Dos quatro, desconfio que Cavaco seria aquele que estaria mais ao centro, sobretudo na economia. E Passos Coelho estaria certamente mais à esquerda nas questões de sociedade.

O segundo aspecto será, paradoxalmente, o elitismo de Rebelo de Sousa. Marcelo acredita genuinamente que as elites desempenham um papel central na vida política de um país. Por vezes, quando o vemos entre as populações, notamos a confiança de quem acredita numa espécie de ordem natural social onde, apesar de uma proximidade calorosa, o povo e as elites não se confundem e cumprem papéis diferentes. Mas o elitismo de Marcelo é sui generis. Não é um elitismo de berço, nem de classe social, nem de educação, nem de riqueza. É um elitismo bem democrático, que inclui as classes dirigentes de todos os partidos e de todos os quadrantes. Marcelo gosta de conhecer toda a gente e de se dar bem com toda a gente. E, mais uma vez, fá-lo com simpatia natural. Mas os comportamentos sociais não se devem confundir com os valores políticos. A proximidade pessoal de Marcelo a figuras maiores da esquerda, nomeadamente o PM António Costa, não significa que não seja de direita. Há de resto um lado muito civilizado e liberal nesta atitude de Marcelo. As diferenças políticas não devem impedir boas relações pessoais. Marca de um democrata tolerante.

Marcelo é simplesmente um político de direita popular e que se dá bem com os políticos de esquerda. Foi sempre de direita. Nunca conheceu momentos de devaneios socialistas ou revolucionários. Não precisa assim de “virar à direita“. Já lá está. As direitas partidárias não deviam empurrá-lo para a esquerda. Será uma questão de tempo até as esquerdas começarem a atacá-lo por ser um Presidente de direita. E, nessa altura, as direitas terão que o defender, apesar das divergências actuais.