Estamos naquela época em que só se fala da seleção e de futebol, sem mais. Mas, mais importante, estamos numa época em que falamos muito dos direitos humanos no Catar (esperemos que não seja a causa da moda, e que não tenhamos esquecido o tema no próximo mês).

Neste momento, contudo, “o” tema tem sido a deslocação de Marcelo Rebelo de Sousa para o país anfitrião, para que o Presidente veja o jogo de futebol, mas também para que o Senhor Professor Catedrático dê umas aulas de direitos humanos… Neste episódio, no dia 22 de Novembro, o Parlamento deu o seu assentimento à deslocação, que o Presidente reputou como sendo essencial para que o mesmo pudesse (ou não) ir ver o jogo Portugal-Gana.

Aqui, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa esteve bem – de facto, é essencial o assentimento. Infelizmente, houve momentos em que o Presidente Marcelo parece ter faltado à aula. Estou a falar da deslocação que o Presidente fez à República de Angola entre os dias 26 e 29 de Agosto de 2022 “em representação de Portugal no funeral de Estado do antigo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos”.

Mas antes que o leitor se perca, convém que eu o esclareça do que está em causa: nos termos do artigo 129.º da nossa Constituição, o Presidente da República não se pode ausentar do país sem que a Assembleia da República dê, por Resolução, o seu assentimento.

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Ora, no caso em apreço, o Presidente da República esteve no mencionado funeral em Agosto. E a Assembleia da República deu o seu assentimento através da Resolução da Assembleia da República n.º 61/2022, de… 7 de Setembro de 2022.

Ou seja, o Presidente da República saiu do território nacional, em representação (oficial!) de Portugal sem que tivesse obtido o assentimento prévio do Parlamento.

O leitor pensará que ‘é um detalhe, eles até aprovaram a situação depois’. Mas não é! O n.º 3 do artigo 129.º da Constituição expressamente estabelece que a inobservância deste procedimento implica “de pleno direito” a perda do cargo. Ou seja, caso o Professor Marcelo Rebelo de Sousa tivesse de fazer uma prova ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa certamente dar-lhe-ia uma nota negativa, porque ignorou as normas aplicáveis, e preferiu ir viajar…

O facto de, posteriormente, a Assembleia da República ter saneado a situação não afasta a gravidade deste caso: mais uma vez, vemos o total desrespeito dos titulares de cargos de soberania pelas normas constitucionais. Aqui, lamento, a simpatia de Marcelo não o desculpa! Uma pessoa que se limita a tirar selfies e fazer todos os caprichos públicos que lhe der vontade não é um Presidente da República, mas sim um qualquer influencer da vida. Marcelo não está “lelé da cuca”, por isso está na altura de começar a comportar-se com a dignidade que o cargo exige.

Está na altura de os nossos políticos começarem a assumir os seus erros. Está na altura de o Presidente cumprir o seu dever, e de a Assembleia da República, através do seu excelentíssimo Presidente da Mesa, suscitar junto do Tribunal Constitucional a destituição de Marcelo Rebelo de Sousa. Não podemos ter um presidente que acha que os direitos humanos (e a Constituição) são importante, mas ‘esqueçamos isso’ porque queremos ver a bola.

Infelizmente, a Assembleia e Augusto Santos Silva não se mexerão para tal. Não lhes convém tirar Marcelo Rebelo de Sousa – certamente surgiria uma intervenção de António Costa dizendo que estávamos perante mais uma ‘interpretação inadmissível’.

Marcelo Rebelo de Sousa é, por isso, o triste símbolo do estado do nosso regime. Alguém que, apesar de muito mordaz e inteligente, acaba por ser o colaborante do PS, uma direita mole e pouco séria, demasiado preocupada com os holofotes e o palco para os seus espectáculos, mas que é incapaz de exercer as suas funções com o brio exigido – e que poderia gerar impopularidade.

Mas se queria ser popular, Marcelo deveria ter continuado nos seus comentários dominicais, e, quem sabe, fazer um programa de viagens pelo mundo a cargo de uma qualquer rede de televisão. Onde está, tem de ser mais do que isto.