Quem me lê, nem que seja de forma esporádica, sabe que não nutro grande consideração pela forma como Marcelo Rebelo de Sousa tem exercido o cargo de presidente. Tive até a oportunidade de escrever que a direita se tornou anti-sistema e que por essa razão não deveria apoiar a recandidatura de Marcelo. Parte dessa direita parece ter encontrado em André Ventura o seu candidato. A outra, a que podemos definir de liberal e conservadora nos termos que referi há oito dias, continua sem ter quem a represente. Na semana passada, Francisco Mendes da Silva, em artigo no Jornal de Negócios, defendeu a sua opinião, que é totalmente diferente da minha. Porque parte dos mesmos pressupostos que eu, mas chega a uma conclusão oposta decidi voltar ao tema das presidenciais.

Para Francisco Mendes da Silva “(…) a direita democrática tem de se unir em torno de Marcelo, esquecendo as desconfianças, a antipatia e as ilusões estratégicas de candidatos alternativos que fixem eleitorado (entre Marcelo e Ventura não haverá grande eleitorado). As presidenciais serão um momento esclarecedor sobre quanto valerá (ainda) a direita liberal e quanto valerá (já) a direita iliberal que reemerge.” Para Mendes da Silva, e na falta de melhor, a direita na qual tanto ele como eu nos revemos deve apoiar Marcelo sob pena de André Ventura vir a ocupar parte do espaço político do PSD e do CDS. Ora, eu discordo por completo deste raciocínio pelas razões que exponho de seguida.

No meu ponto de vista essa direita liberal e conservadora deverá ter um candidato próprio que enfrente, quer Marcelo quer Ventura. Porquê? Porque nenhum destes dois a representa. Mais: caso falte à chamada, a ‘nossa’ direita poderá ficar definitivamente arredada do cenário que irá surgir no pós-presidenciais. Não havendo dúvidas que Ventura não representa a direita não autoritária, concentremo-nos em Marcelo. É muito provável que o actual presidente receba o apoio (mesmo que implícito) do PS. Ora, esse apoio dever-se-á não apenas à popularidade de Marcelo, mas ao facto de este PS se rever plenamente no actual presidente. Claro que existem divergências, mas são meramente tácticas e têm mais a ver com a luta pela supremacia política entre Costa e Marcelo que com qualquer outra coisa. Em tudo o resto existe convergência. Na verdade, Marcelo personifica melhor que ninguém o estatuto de privilegiado que sustenta o actual regime que tanto beneficia os socialistas. É um dos grandes bloqueios às reformas do Estado e não está a par dos problemas e das necessidades do país não socialista. Marcelo é alguém que sempre vimos como sendo direita quando a direita em Portugal se reduzia à social-democracia e à democracia-cristã. Um posicionamento político válido em 1976, aceitável em 1989, mas incompreensível em 2020, quando finalmente já falamos de uma direita liberal e conservadora. Desta forma, apoiar Marcelo  terá o efeito oposto que se pretende que é impedir o crescimento eleitoral de André Ventura. A colagem da direita não autoritária a alguém que representa o passado, que tem tudo a ver com o PS, acarreta o risco de colocar em xeque o futuro da direita que o Francisco apelida de democrática. Apoiar Marcelo juntamente com o PS é deixar o espaço da direita livre para André Ventura. Um erro grave com gravíssimas consequências futuras.

Francisco Mendes da Silva refere ainda que “entre Marcelo e Ventura não haverá grande eleitorado”. Uma vez mais discordo. Pode não haver ainda um candidato, mas já quanto ao eleitorado este existe. Existe pelo país fora um eleitorado que não é socialista nem se revê nas afirmações de André Ventura. Foi o que votou AD em 1979, Cavaco Silva em 1987 e em Passos e Portas em 2011 e em 2015. Esse eleitorado existe. Não se sente representado por Marcelo, não gosta do Chega e não quer misturas com o PS, mas existe. E é aqui que está o ponto: na incapacidade actual desta direita não populista assumir aquilo em que acredita, na incapacidade de encontrar um candidato que se afirme não socialista, sem cair no discurso fácil do Chega. Mas desistir é assumir a falência de um projecto político. É dizer que se tem uma visão para o país que, quando se vai a votos, se põe de lado porque não se acredita na sua viabilidade. É, e os que à direita apoiam Marcelo que me desculpem a frontalidade, de uma inconsistência que o eleitorado não compreende, que o faz desconfiar da capacidade política de quem o devia representar e um eleitorado que depois leva muito anos a recuperar.

Claro que a situação político-partidária não é a melhor para a direita não socialista, liberal e conservadora. No entanto, falamos de presidenciais. E nestas a vontade primeira é a dos candidatos. Nada obsta que esta direita tenha um candidato sem o empurrão das actuais lideranças do PSD ou do CDS. Até porque uma candidatura pessoal que fale para o eleitorado que referi em cima arriscar-se-ia a ser uma boa surpresa.

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