Esta manhã acordamos com as declarações de Mário Centeno que questiona a razão pela qual o preço do leite está a baixar na Europa e não baixa em Portugal. Estas declarações evidenciam o que todos sabemos, Mário Centeno não conhece o setor agrícola português, mesmo tendo sido ministro das finanças ente novembro de 2015 e junho de 2020.

Entre 2016 e agosto de 2022 os produtores portugueses foram os produtores mais mal pagos da Europa. Desde de 2010 que o preço está abaixo da média europeia. Durante o tempo que foi ministro das finanças foram várias as ações que levamos a cabo para sensibilizar o governo e o poder político para as dificuldades do setor agroalimentar.

Ser produtor do leite não é atrativo e é um setor cada vez mais envelhecido. A renovação geracional é mais difícil de conseguir quando comparado com outros setores da agricultura nacional. Os avultados investimentos, a atividade exigente, a baixa rentabilidade e a perceção distorcida por parte da sociedade leva ao afastamento das novas gerações. Se juntarmos a este facto as políticas públicas pouco atrativas, com quebras nas ajudas ao rendimento muito acentuadas temos os ingredientes necessários para afugentar todos aqueles que tenham apreço por este setor.

Entre janeiro de 2017 e janeiro de 2023 perdemos 1404 produtores de leite (dados do IFAP).

Se as nossas empresas fossem geridas como são uma SONAE ou uma Jerónimo Martins há muito que não haveria alimentos portugueses nas prateleiras dos supermercados porque o que nos permitiu sobreviver foram as horas de trabalho familiar que não são pagas nem contabilisticamente consideradas. Trabalhamos 10h/dia, 7 dias por semana.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Se numa entrevista de trabalho, propuséssemos a Mário Centeno um salário de 1500€ para trabalhar 60 horas por semana (considerando um dia de descanso), ele aceitaria? Auferia a módica quantia de 6,25€ à hora, trabalhava 6 dias por semana, 10 horas por dia. Quem está disposto a trabalhar nestas condições?

O preço do leite está dependente dos custos dos fatores de produção que estão elevadíssimos. Têm sido os produtores de leite a suportar os custos da inflação durante muito tempo. Com a pandemia os fatores de produção sofreram aumentos e com a guerra na Ucrânia os mesmos se acentuaram.  Atualmente a soja44 está a 600€/tonelada, a farinha milha a 300€/tonelada, sem previsão de descida.

Se o preço do leite ao produtor descer só há uma solução: reduzir a produção, abater animais porque não temos disponibilidade económica para comprar forragens nem fatores de produção.

Não pode,  nem tem que ser sempre o produtor a ser “esmagado”. A indústria e a distribuição têm que abdicar das suas margens para garantir a viabilidade da produção.

Mais uma vez, é evidente que a indústria e a distribuição estão a aproveitar-se desta conjetura para prejudicarem a produção.

O tempo urge. É necessário definir uma estratégia, caso contrário hoje discutimos os preços, mas no futuro a discussão será se existirão alimentos nas prateleiras.