As eleições intercalares de terça-feira passada mostram, acima de tudo, que muito pouco mudou nos Estados Unidos desde a vitória de Donald Trump, em 2016. Continuamos perante uma América profundamente polarizada, sem qualquer vontade de se reconciliar. Se por um lado a conclusão mais imediata é que o presidente terá a vida dificultada por uma Câmara dos Representantes dominada por democratas, por outro, há questões de fundo que este escrutínio levanta que, por serem menos óbvias, não são menos importantes.

Em primeiro lugar, os resultados demonstram, mais uma vez, que Trump não é uma causa, é ama consequência. Nas últimas décadas os Estados Unidos caminharam para um impasse já visível na administração Obama. A direita entrincheirou-se num nacionalismo exclusivista, em defesa do americano de classe trabalhadora e até da classe média (a encolher a olhos vistos) como resposta a uma esquerda modificada do final dos anos 1960 em diante, que deixou para trás os mais débeis economicamente, para abraçar e defender a diversidade, excluindo, de acordo com os eleitores de Trump, aqueles que constituíam a base de contribuintes líquidos do estado. Escudou-se no politicamente correto, e deixou uma parte significativa da população americana preocupada com a sua identidade original e a sua segurança económica. Se Trump não estivesse bem alicerçado neste contexto, a vitória dos democratas teria sido muito mais expressiva.

Em segundo lugar, o Partido Democrata que ganhou as eleições é o partido da diversidade. Nunca se viram tantas mulheres e cidadãos oriundos de minorias étnicas, religiosas e de género ocuparem lugares de topo na hierarquia institucional norte-americana, o que, por si só, é uma boa notícia para quem acredita, como eu, que as identidades nacionais de países de grande diversidade devem ser institucionais e políticas (ou seja, deve ser considerado americano quem se identifica e respeita os valores da nação). Mas isso não deixa de ser outro sintoma de que, cada vez mais, temos uma América de identidade constitucional em oposição a uma América de identidade étnica. Por outras palavras, o mal estar que se sentia entre o ramo legislativo e executivo desde 2010, veio para ficar. Ou piorou.

Este artigo é exclusivo para os nossos assinantes: assine agora e beneficie de leitura ilimitada e outras vantagens. Caso já seja assinante inicie aqui a sua sessão. Se pensa que esta mensagem está em erro, contacte o nosso apoio a cliente.