Foi já há duas semanas que descobrimos que a Roménia vai ultrapassar Portugal em PIB per capita em 2024, mas o histerismo ainda se faz sentir. Não percebo porquê. Reparem: sim, é um facto, vamos ser ultrapassados pela Roménia. Mas quando? Apenas em 2024! Caaaaaalma! Ainda falta o finzinho de 2022 e todo o 2023. Para quê a pressa em preocuparmo-nos já, se temos tanto tempo? Até 2024 chegar, há muito com que nos entreter: dois Natais; duas passagens de ano; o Carnaval; as férias da Páscoa; o 25 de Abril, que para o ano calha a uma terça-feira e por isso dá para fazer ponte, além de que o 1 de Maio é uma segunda-feira, de maneira que, com três dias de férias ou uma baixa de um médico amigo, dá para tirar duas semanas; os Santos Populares; o Verão; o regresso às aulas (quem é que não gosta do regresso às aulas?); o Halloween; o verão de São Martinho; a black Friday; os feriados em Dezembro (para o ano calham à sexta-feira!); e mais uma data de coisas boas que só Portugal tem. Se vivêssemos na Roménia, aí, sim, percebia-se a aflição. Na Roménia, um ano inteiro na expectativa é uma maçada, não há nada para fazer senão esperar. É um país tão chato que até há quem lhe chame Romérdia.

Aliás, essa é outra: o que é que interessa se os romenos vão passar a ter mais dinheiro do que nós? O dinheiro é assim tão importante? Sim, senhor, ultrapassam-nos em paridade de poder de compra, mas para poderem comprar o quê? Está bem que, com os rendimentos a aumentar, os romenos têm perspetivas de futuro, têm esperança de que a vida vá ser melhor e mais confortável, mas têm o nosso mar? As nossas praias? Não têm! Têm uns meros 200 km de costa no pífio Mar Negro, uma espécie Lagoa de Albufeira em ponto grande. Têm o nosso marisco? O nosso peixe? E, se o tivessem, saberiam grelhá-lo? É o grelhas! E têm o Ronaldo? Têm a nossa selecção? Contra quem joga a Roménia, hoje? E têm a Web Summit? Os pastéis de Belém? Nómadas digitais? Acham que há nómadas digitais em Timisoara? Quantos óscares do turismo tem a Roménia? E grammys de escapadinhas de fim-de-semana? Tem a TAP? O Simplex? O vinho do Porto? A Ponte Vasco da Gama? As Jornadas Mundiais da Juventude? O canhão da Nazaré? A Ana Moura, que já cantou com o Prince e com o Mick Jagger? A Via Verde? O hidrogénio verde? O caldo verde? A Roménia foi o primeiro país da UE a entregar a pastinha com o PRR? Tem o Ronaldo? O fandango? E o Ronaldo? A alheira de Mirandela? O SNS? O Saramago? Quantas formas de confeccionar bacalhau? O ponto mais ocidental da Europa continental? O novo museu dos coches? E o antigo? O hub da Portela? Toureio a cavalo? O Ronaldo? A cortiça? Quantos sobreiros tem a Roménia? Tem fado? Estrelas Michelin? A Expo 98? A Madonna viveu em Bucareste? Tem o Palácio da Pena? Forcados? E energias renováveis? O Salvador Sobral? Os passadiços do Paiva? Serralves? A Exposição do Mundo Português? Fátima? E pastorinhos? Nem um, quanto mais três! Tem a 5ª língua mais falada no mundo? Das maiores reservas de ouro? A Amália? O Eusébio? O grande Benfica europeu? Um império pluricontinental, do Minho a Timor? A Ponte Salazar? O Cristo-Rei? Monsanto, a aldeia mais portuguesa de Portugal? A protecção benevolente do Sr. Presidente do Conselho de Ministros, Dr. António Costa, e do Sr. Presidente da República, Marechal Rebelo de Sousa? A Roménia safou-se à 2ª Guerra Mundial? O PIB não compra nada disto.

Há coisas mais valiosas que o dinheiro, amigos. Se eu vivesse numa porcaria de país, sem nada de jeito para me distrair, se calhar também me punha a criar riqueza, por fastio. Uma das razões pelas quais a Roménia tem maior mortalidade infantil é porque as crianças romenas morrem de tédio, coitadas. Parece-me óbvio que quanto menos riqueza criamos, mais felizes somos. Tenho pena dos romenos e da sua ânsia de viverem melhor. Parecem dispostos a fazer qualquer coisa por dinheiro. Até a esforçarem-se. Ao menos somos ultrapassados, mas honrados. Pobretes, mas alegretes.

É mais fácil um português passar por um buraco de uma agulha do que um ricaço romeno entrar no Reino dos Céus. E só não o comprovamos já porque, quando se fala em agulhas, o português pensa logo em hospitais e não está para se pôr agora à espera durante 12 horas até ser atendido, só para esfregar a sua superioridade moral na cara dos romenos.

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Esta obsessão com o PIB é doentia. É só PIB, PIB, PIB. Nós somos como o Wile E. Coyote, que está distraído com as suas bigornas e o seu dinamite, e vem o Road Runner na mecha a dizer “PIB, PIB!”. Quem é que está melhor? O Coyote, sossegado a brincar, ou o incomodativo Road Runner, sempre apressado? Ainda vai ter um AVC, é o que é.

Razão têm os adeptos do PS que em boa hora apareceram a denunciar esta tentativa de menosprezar o nosso Portugal, com Ascenso Simões à cabeça: “Aparece-nos agora a lengalenga de que os países do leste europeu vão passar Portugal no PIB. Importaria que cada um dos que enche o discurso com tal proclamação se deslocasse à Roménia, à Hungria, à República Checa, à Eslováquia e visse, com os seus olhos, o que lá se passa”.

Como é habitual, Simões tem razão. É uma lengalenga e das mais aborrecidas. O que é que esses países sabem sobre as coisas boas da vida? Nada. Está na definição: são países que estão a Leste. Se bem que, para sermos justos, na verdade não se está a dizer que na Roménia se vive bem. Está-se apenas a dizer que em Portugal já se viveu melhor. É possível que tenhamos sido estragados pelo excesso de dinheiro.