Uma invenção veio revolucionar completamente a forma como comunicamos, o instant messaging. Através de apps ou sites, com mais interatividade e conveniência através do meio mobile, podemos instantaneamente conversar e partilhar conteúdo com quem quisermos, a qualquer hora, em qualquer lugar e com qualquer parte do globo.

Como todos os assuntos têm dois lados e a possibilidade das mensagens nos oferece tantas vantagens, como a oportunidade, conexão e rapidez, podemos cair no outro oposto, no bindge messaging ou em ficar reféns deste meio. Num estudo comentado pelo The Guardian, concluiu-se que os jovens deixaram de telefonar e usam massivamente o messaging. O download de ringtones baixou drasticamente e estes jovens agora usam, no máximo, a vibração do telefone para anunciar notificações e telefonemas e comunicam, em grande parte, por mensagens. Resta perguntar, será que telefonar a alguém fará parte do passado? Não deveria, a meu ver, a bem da eficácia da comunicação interpessoal.

Eu próprio já evito muitos telefonemas, pois existe o outro lado: muita conversa inútil, mas, por outro lado, pode ser muito útil, profissional e pessoalmente falando. Cada um com a sua função, as várias formas de comunicar são importantes, já para não falar do mais completo, a presença física. Também há muitas desvantagens neste uso quase exclusivo de mensagens. Similarmente numa estratégia de marketing, existe o marketing-mix, uns clientes atinge-se através do canal online, outros por eventos, ainda outros só vai lá com equipa de vendas ou outro meio.

Há algo na mensagem de muito útil e eficaz, quase autossuficiente mas também de facilitismo. Conheço pessoas com quem não tenho conversas ao vivo, mas que me enviam grandes mensagens entusiastas pelo WhatsApp ou apenas “propaganda” (também já o fiz). Em igual forma, abundam os grupos desta aplicação, mas estaremos presentes para os outros ou apenas nos convoca de forma parcial? Já para não falar no chorrilho de mensagens e quantidade de grupos de WhatsApp que nos incluem e aos quais já não conseguimos dar vazão. A vida de hoje solicita-nos permanentemente, queremos chegar a todas e depois não chegamos.

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A capacidade de “ouvir” pede a nossa atenção e os cinco sentidos. No messaging posso ler, mas nem sequer responder se quiser. Torna eficiente as relações em assuntos práticos, é certo, mas também as torna impessoais. E mesmo nos assuntos práticos pode ser uma completa perda de tempo. Basta pensar que muitos grupos de WhatsApp profissionais transformam-se em repositórios de vídeos, mal-entendidos e reclamações que, antes de ajudar o servidor a organizar o seu trabalho, só o complica.

A voz, o tato, a vista convocam uma linguagem não verbal muito importante para a mensagem a transmitir e até para receber o que tem o outro para nos dar: o que ele é e faz. Verdade que o que traz o outro pode por vezes não ser o melhor e essa vulnerabilidade é como que protegida pelo muro dos bits e bytes. Mas será que ganhamos também outra componente, aquilo que o outro traz também de bom?

Similarmente, no que toca a conversas difíceis, como mal-entendidos, discórdia, acabar relacionamentos, hoje também pecamos por evitá-los e, ou mandamos mensagens secas ou agressivas ou fazemos o “ghosting”, cada vez mais comum. Simon Sinek, um famoso autor bestseller e empresário na área dos recursos humanos, fala muito sobre este fenómeno e algo que estamos a perder hoje em dia: saber ter conversas difíceis. Nas empresas e nas nossas relações pessoais. Existem muitos assuntos que não são fáceis de abordar, mas são necessários. Na maioria das vezes evitam-se e não se tem a coragem de os ter. Silêncio. Politicamente correto. O que fazemos muitas vezes? Não falamos e acumulamos, varremos para debaixo do tapete. Um dia não há mais volta a dar nem conserto possível, ou tudo rebenta numa torrente explosiva ou há apenas um adeus seco e displicente.

Hoje em dia, ou pura e simplesmente se evitam assuntos desconfortáveis, ou então, se discordamos e argumentamos, mesmo que educada e racionalmente, podemos “ofender” alguém. Com as guerras culturais a adensar-se e os extremismos na praça pública como nunca, discordar é não gostar de outra pessoa, o que é errado. Hoje em dia falar sobre o que quer que seja é estar encapsulado numa de três caixas: ou és Hitler, ou és Trotsky, e se és centrista, todos te odeiam e és um cobarde, como dizia o comediante Ricky Gervais (10:38). É assustador como o debate, as ideias e o diálogo sereno e respeitador que não cancela o outro pelas suas ideias, foi arredado do debate público.

Voltando ao “ghosting”. É desaparecer. Acabar relações, ou simplesmente sorrir, deixar de atender telefonemas, cortar na casaca nas costas, responder por email de forma agressiva, trollar nas redes sociais. Evitamos o confronto, no fundo. Ignoramos o problema, sorrimos, mas cá dentro cresce a raiva e o ressentimento, o que for, que destrói aos poucos as relações.

Antes tínhamos discussões com a namorada, mas tentava-se resolver ou nem que seja acabar de forma digna e elegante. Hoje, à mínima discussão, não se tenta resolver. Desaparece-se sem dar explicações, remove-se a pessoa das redes e a mesma é relegada para o esquecimento. Isto tem um impacto brutal no visado, é como se fosse lixo que se deita fora e mostra total desrespeito pela outra pessoa, já para não falar no autoisolamento crescente do primeiro.

Concluindo: a meu ver, mensagens, telefonemas, tudo ok, mas usado no contexto correto para o objetivo certo poderá ter um impacto comunicativo mais eficaz e mostra mais empatia e capacidade de resolver problemas. Um ex-chefe meu, quando trabalhei à distância, sempre que existia um problema ou possível mal-entendido, telefonava-me. Até porque a gestão à distância cria incerteza e esse contacto é muito importante para criar estabilidade e previsibilidade.