Haverá coisa mais triste do que assistir ao esmagamento da Argentina pela Croácia rodeado de sérvios? É claro que ainda falta uma jornada, os argentinos vão levantar a cabeça e hão de dar a volta porque, como disse o sábio Patrício, não há volta a dar. Mas, levantar a cabeça, só se for para ver o portão de embarque nos ecrãs do aeroporto e a última jornada deverá servir apenas para eutanasiar de forma limpa a carreira de Lionel Messi na seleção das pampas. Já que não dá para ser com ele a erguer o troféu perante o olhar de milhões de fãs incrédulos, que seja com o consolo de poder dizer aos netos que terminou a carreira ao lado de Willy Caballero (ou que jogar ao lado de Willy Caballero acabou com a carreira dele na alviceleste). É complicado.

Nos séculos vindouros, os “coaching methodology analysts” (ver a crónica O Treinador de Outras Eras) continuarão a discutir se era a Argentina que não merecia Messi, se era Messi que não merecia a Argentina e que tipo de acidente foi a passagem de Jorge Sampaoli pela seleção. Hoje, na ressaca de uma derrota traumática, não há dúvidas: estiveram todos à altura uns dos outros e nenhum à altura dos melhores. Ainda não será desta que um argentino com a camisola nº 10 volta a ganhar sozinho a mais desejada das competições.

Para que isso acontecesse com uma equipa que tem Salvio a lateral-direito, Acuña a titular e Dybala no banco, Messi teria de jogar mais. Muito mais. Entre outras coisas, falta-lhe “intensidade”, esse ingrediente indispensável nas receitas do futebol moderno. Mal corre, só arrebita quando a bola lhe vem parar aos pés e, assim que o adversário a recupera ou ele próprio a despacha para a bancada, volta ao mesmo ar de sonâmbulo que não tem quem o acorde e aconchegue na cama. Messi foi o jogador de campo que menos correu na primeira jornada. Até Hugo Lloris, o guarda-redes francês, correu mais do que ele. Quase aposto que o treinador coreano, os adeptos do Senegal e alguns telespectadores hiperativos correram mais. Até Simeão Estilita correu mais nos trinta anos em que esteve em cima de um pilar no deserto. Consta que houve pombos a abandonar as estátuas de Moscovo para pousarem nos ombros do jogador argentino. No entanto, nesse jogo ainda fez onze remates. Contra a Croácia, rematou uma vez, só para não ser acusado de não rematar.

Numa afirmação estratégica que substituirá doravante a expressão “dar um tiro no pé”, Sampaoli disse antes do campeonato que esta não era a equipa dele, era a equipa de Messi. Só que Messi não queria cá equipas nenhumas. Não queria esse peso todo. Queria que o aliviassem da responsabilidade. Se quisesse uma equipa dele, comprava-a. Encomendava uma. Mandava-a fazer à mão. O que se nota nele é um cansaço de tudo. Nunca teve um ar alegre, mas agora, finalmente, parece cansado. Embrulhou as esperanças e ambições que teve, é só um desejo de dormir a arrastar-se pelo relvado. Nem o próprio Pessoa mais esotérico poderia adivinhar, mas o poema que escreveu descreve na perfeição um tal Messi no fim de um jogo contra a Croácia.

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