Messi chegou a Barcelona com 10 anos. A uma das melhores escolas de futebol do mundo. Acompanhado pelas melhores equipas e especialistas para tirar o melhor de cada jogador. Com todas as condições.

Ronaldo com 10 anos chegou a Lisboa, ao Sporting. Neste clube de dimensão física incomparavelmente menor, Ronaldo encontrou muitas lacunas, poucas condições e um contexto bastante pobre, no geral, à semelhança dos restantes clubes nacionais. Dormia numa residência, sem grandes condições. Chegou a Lisboa sozinho, sem grande acompanhamento a não ser os amigos da sua equipa.

Messi cresceu a ver o seu clube a vencer na Champions, campeonatos espanhóis e a contar com jogadores e treinadores de dimensão estratosférica. Ronaldo via o Sporting a vencer orgulhosamente dois campeonatos e a lutar contra gigantes europeus mas sempre noutro patamar. Duas realidades incomparáveis.

Com 18 anos, Messi jogava no mesmo campo de treinos de sempre, mas com jogadores mais velhos, experientes e de dimensão mundial. Ronaldo, com 18 anos, mudava-se para uma nova grande cidade, pela segunda vez consecutiva, com uma língua diferente que não dominava, entrando num clube top5 mundial pela primeira vez. Teve de se adaptar a uma infindável lista de novos aspetos, entre os quais, os jogadores de nível mundial, a exigência da liga inglesa, as dificuldades de percepção linguística e de adaptação ao país.

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Messi, por outro lado, continuava no mesmo lugar de há 8 anos, a falar a mesma língua de sempre e com a melhor tecnologia de ponta a indicar-lhe o caminho e os pontos de melhoria. Messi continuava passivamente à espera dos próximos passos, vindos da estrutura. Ronaldo crescia ativamente num meio hostil e no qual muito sofreu. Messi era acarinhado. Ronaldo criticado pelas fintas, aspeto ou até pela forma como falava inglês (nem me lembro de ouvir messi a tentar falar inglês).

Ronaldo, vindo do seu país de 10M, cujos títulos futebolísticos eram nulos e mesmo as presenças em fases finais contavam-se pelos dedos. Messi do seu país de 45M, país habituado a ganhar competições internacionais (mesmo que por vezes ilegalmente ) e a ser das melhores seleções da História.

Ronaldo ganhou a primeira Bola de Ouro a jogar na Liga Inglesa – a liga mais exigente do mundo e na qual Messi nunca jogou – e em vez de se manter na sua zona de conforto, mudou de equipa, para um Real Madrid decadente e sem nada ganhar nos 6 anos anteriores. Foi a transferência mais cara de sempre – o que acarretou uma pressão enorme, nunca suportada por Messi – e entrou num clube sem mentalidade vencedora. Tudo mudou. Mourinho juntou-se e trouxe jogadores mais cerebrais do que famosos. Ronaldo passou a jogar com Di Maria, Ozil, Benzema, Coentrão, Essien e Ricardo Carvalho já jogando com Pepe e Sergio Ramos. Ronaldo liderou a equipa espanhola naquela que foi a quebra de hegemonia de uma das melhores equipas de sempre (Barcelona de Guardiola). Quem não se recorda daquele cabeceamento que levou o Real Madrid de Mourinho a vencer a Taça do Rei? Ronaldo tinha uma equipa recente, sem grande entrosamento. Messi era apoiado por Xavi, Iniesta, Busquets, Puyol, Piqué, Valdés, Pedro e tantos outros que desde há muitos anos já jogavam juntos. Há até quem ponha em questão algumas Bolas de Ouro ganhas por Messi, como tendo sido retiradas a Iniesta ou Xavi. Ronaldo quebrou essa hegemonia, liderando uma equipa nova. Ronaldo não só quebrou a hegemonia, como fez do Real Madrid uma equipa hegemónica. Venceu a primeira Champions pelo Real Madrid em Lisboa. Venceu depois mais três de seguida – algo inédito. Tornou o Barcelona irredutível. Tornou o todo-poderoso Barcelona numa equipa banal. Quem não se recorda do mítico “eu estou aqui” em Barcelona, depois do golo da vitória por 2-1? Ronaldo esteve lá e destruiu o Barcelona.

Depois disso, marcou o melhor golo de sempre a uma grande equipa da Juventus, cujos adeptos o aplaudiram de pé e para onde se mudou de seguida: para o exigente campeonato italiano. Messi lá ia ficando no Barcelona, sempre envolto em polémica mas constantemente protegido por um manto que sempre o consagrou como “simples”, “humilde”, “pobre” e “calmo”, enquanto o outro, coitado, ia sendo rotulado de “grosseiro”, “rude”, “ambicioso” ou “egocêntrico”.

Ronaldo, com 30 anos, entrou no campeonato italiano. Um campeonato de uma exigência física e táctica tremenda. Um campeonato onde Maradona jogou mas onde Messi nunca ousou jogar. Ronaldo saiu do Real Madrid pela porta grande, depois de marcar o melhor golo de sempre e de vencer novamente a Champions. Messi, por outro lado, saiu sob uma falsa pretensão de estar a ajudar o Barcelona numa altura difícil, quando todo o universo do futebol sabe bem que saiu por, mesmo numa altura financeira débil do “clube do coração”, não lhe darem o aumento que sentia merecer. Messi saiu por dinheiro. Ronaldo saiu apesar do dinheiro. Ronaldo ganhou mais um campeonato de um novo país, mais uma taça e tentou mais uma Champions. Messi encontrou o local que à partida lhe daria mais títulos e mais dinheiro com menor esforço.

Voltando à Seleção, Ronaldo, criticado pela massa crítica nacional desde 2004, encabeça a vontade de erguer uma taça. Em conjunto com uma equipa que se uniu à sua volta, especialmente na final do Euro2016, vencemos o segundo mais importante título do mundo: o Europeu. Vencemo-lo com uma equipa de nível mediano e com mais coração que tática. Mas muito por Ronaldo. Muito pela crença. Antes, durante e após o Euro, Ronaldo sempre fora o estandarte desportivo de Portugal. Ronaldo passou a representar um país e a elevá-lo até um nível onde há muitas décadas não chegava. Ronaldo deu tudo por Portugal. Quem não se lembra de o ver a olhar para o céu, no dia em que o seu pai morreu e gritar, “tu aí!”? Já era um gigante sem saber que seria o melhor de sempre (ou talvez sabendo). Messi, no outro lado do Oceano, abdicava da sua seleção por falta de qualidade, por falta de apoio da federação, por falta de condições. Abdicou e voltou mais tarde quando tudo estava de acordo com a sua vontade. Dizem que a nossa Seleção é a Seleção de Ronaldo e companhia? Ronaldo nunca negociou com o seu país, nem mesmo quando o seu país o colocou no banco no seu último (ou penúltimo) Mundial. Messi aceitou o projeto mediante as suas condições. Ronaldo aceitou as condições mediante um projeto. Superior a si próprio.

Messi chora de alegria na final do Mundial. Ronaldo chora de alegria no seu primeiro jogo desse mesmo Mundial, por orgulho, por patriotismo, por amar a Nação. Ronaldo sabe que mesmo sendo apenas um jogador de futebol, espalha a marca Portugal pelo mundo e deixa-a associada a rigor, trabalho e profissionalismo. Messi, na verdade, serve-se da marca Argentina, consagrada no mundo do futebol, à sua medida e à sua vontade.

Messi venceu o Mundial pela Argentina, mesmo com polémica, erros de arbitragem e acima de tudo, uma postura arrogante, pequenina e maldosa (particularmente com a Holanda, jogo no qual se percebeu tudo, para quem ainda tinha dúvidas). Ronaldo perdeu o Mundial, ficando associado a tudo de errado, saindo a chorar, destroçando um país inteiro que se uniu à sua mágoa.

Pergunto-me como seria um Ronaldo formado no Barcelona, no mesmo clube de dimensão mundial desde os 10 anos, protegido por uma imprensa que o venera mesmo quando comete erro atrás de erro, com uma equipa de sonho forjada à sua maneira, com uma seleção de nível mundial e habituada a vencer e na qual opta por jogar ou abdicar, de acordo com as condições, sem a pressão de carregar um país às costas (em todos os sentidos), sem a pressão de elevar o futebol nacional. Pergunto-me como seria um Ronaldo no Real Madrid desde os 10 anos, a jogar com Zidane, Ronaldo, Figo e Roberto Carlos desde os 17, a ser servido pelos mesmos desde os 20 e a ser consagrado pela Fifa, Blatter e restantes dirigentes desde sempre. A resposta seria óbvia: Ronaldo seria indubitavelmente melhor que qualquer outro jogador na História. Se neste momento já o é, nessa suposição, todo e qualquer cálculo, teoria e hipótese caíram por terra.

Ronaldo é o melhor da História mesmo depois de tudo o que teve de suportar. Messi não é o melhor da História, apesar de todo o suporte e apoio que teve.

Messi pode ser bom, mas nunca será Cristiano Ronaldo.