Grande revoada vai na pátria com o cartaz do BE a dizer que Jesus Cristo teve dois pais. Ora, ora, também teve uma mãe e, dúvida que me ataca desde a catequese, uma pomba auto-denominada Espírito Santo que ao certo nunca se percebe bem que papel desempenhou. Ou, pelo menos eu, que nestas matérias só tenho dúvidas, não percebi.

Mas seja como for, e venha o Espírito Santo ao que vier, a família de Cristo dá para tudo, nomeadamente para todas as causas que o BE inventar, o que só vem comprovar a enorme sabedoria e capacidade de antecipação do cristianismo.

Se Cristo, que (pelo que percebi) o BE não põe em causa, era filho de Deus e tal como acontecia aos desgraçados ladrões filhos dos homens e das mulheres, morreu na cruz porque não há-de agora andar pregado em cartazes a ilustrar as maravilhas da nova era anunciada pelo BE?

Aliás choca-me bem menos que se use a imagem de Cristo nesses cartazes que aquelas reportagens em que crianças reais sorriem para mostrar como é maravilhosa a opção daquela mãe que quase aos 50 anos resolveu ir a um banco de esperma porque “tem muito amor para dar” e quis ter outro bebé para não falar daqueles casais que olham enternecidos um bebé que adquiriram através de uma barriga de aluguer.

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Assim sendo, declaro-me não só encantada com o cartaz do BE, como disponível para assessorar o BE nos próximos cartazes desta série.

Por exemplo, tem o BE dificuldades em explicar o seu apoio a um orçamento que mantém a austeridade? Proponho já que vá o BE buscar as figuras de Simeão Estilita, o Velho, versus a figura de Simeão Estilita, o Moço. Está bem de ver que Simeão Estilita, o Velho, representa a austeridade de Passos Coelho. Já Simeão Estilita, o Moço, representa a austeridade de António Costa. Assim, enquanto Simeão Estilita, o Velho, vivia no topo de uma coluna com dezassete metros de altura, Simeão Estilita, o Moço, começou por ser estilita no chão.

Só após a morte do estilita que ocupava o topo da coluna a que Simeão, o Moço, se tinha afeiçoado – não, quem estava no topo da coluna não era Simeão Estilita, o Velho, mas sim um outro estilita chamado João que defendia, juro que não estou a inventar, uma outra forma de austeridade – é que Simeão, o Moço, se alcandorou ao topo da coluna e por lá se manteve anos e anos.

Já se percebeu que nestas matérias de santos estilitas – homens que optam por viver no topo de umas colunas –, tal como nos Orçamentos de Estado, é muito difícil distinguir as austeridades umas das outras. Mas certamente que o BE fará isso por mim, que nestas matérias nunca passo do nível térreo, a saber daqueles que nos séculos V e VI d. C. tinham de subir as periclitantes escadarias para irem levar os alimentos aos estilitas e que, agora no século XXI, andam periclitantemente a tentar pagar os impostos que os neo-estilitas lhes inventam.

Confesso que, não vendo eu, certamente por falta de fé, a diferença entre a austeridade de Simeão Estilita, o Velho, versus a de Simeão Estilita, o Moço, não deixo de reparar que o primeiro apenas resistiu 37 anos a tal regime e dele apenas consta a sua influência espiritual, enquanto o segundo durou 64 anos e diz-se que fazia espantosos milagres.

Qualquer semelhança com a presente realidade não deve ser coincidência.

E como resolver o fantástico por assim dizer raciocínio de Joana Mortágua sobre o regime da ADSE? “A abertura da ADSE a outras pessoas que não funcionários públicos (e respectivos familiares) “não faz sentido”, porque “estaria a alargar o acesso de utentes aos hospitais privados com prejuízo claro para o SNS”. Por isso, “a ADSE deve manter-se como um sistema fechado aos funcionários públicos e às suas famílias”.

Portanto, e se bem percebo, a abertura da ADSE a outras pessoas que não os funcionários públicos (e respectivos familiares) “não faz sentido”, no dizer da deputada Joana Mortágua, porque isso alargaria o acesso aos hospitais privados por parte daquela população que não interessa para nada à deputada Joana Mortágua e que dá pelo nome de trabalhadores do sector privado? E que por serem do sector privado devem mostrar a excelência dos centros de saúde públicos. Certo? Inverosímil se tivermos em conta que nas notícias o BE é o paladino da igualdade e da solidariedade. Quase tão inverosímil quanto o PCP ser contra que emprestemos dinheiro à Grécia e o BE estar a meditar no assunto. Uma coisa é dançar com Tsipras, rasgar as vestes pela Grécia e acusar a Alemanha de querer asfixiar a Grécia. Outra bem diversa é fazer alguma coisa pela Grécia. Com amigos destes estava a Grécia arranjada!

Face a estas contradições recomendo ao BE que procure um santo à medida dos seus problemas no rol de milagres, santos e venerandos mártires elencados por Luitprando. Ou por Dextro. Ou por Heleca de Saragoça. Dirão aqueles que leram José Mattoso que nem Luitprando que citava Dextro nem Dextro que citava Heleca de Saragoça (ou vice-versa) existiram. E que os santos e os milagres que eles relatam também nunca ninguém os viu pois todos – santos, milagres e autores – são o produto da imaginação do Padre Jerónimo Ramón de la Higuera, um jesuíta que ali pelos finais do século XVI olhou para os santos, ou mais propriamente para a falta deles na Hispania, como a esquerda agora olha para o fraco crescimento económico: não havia santos na Hispania como além Pirinéus? Inventam-se. Porque precisamos de mais santos e porque santos atraem santos.

Como nada daquilo batia certo com nada, o mui bem-intencionado Padre Jerónimo também inventou autores que falavam dos inventados santos e dos inventados mártires. Era uma confusão de autores nunca vistos, citando-se uns aos outros a propósito de santos igualmente desconhecidos: Luitprando citava Dextro que citava Heleca de Saragoça (ou vice-versa) todos eles referindo milagres até então ignorados. Pena o padre Ramón de la Higuera ter desaparecido há tantos séculos que ainda acabava a dirigir um observatório sobre políticas económicas em parceria com o ISCTE.

Claro que não posso acabar esta crónica sem resolver outro dilema que muito deve atormentar o BE. Falo naturalmente daquele enredo familiar de pais, filhos, mulheres e maridos subjacente aos gabinetes dos seus aliados socialistas. Mas para que há-de o conselheiro de Estado Francisco Louçã ficar incomodado – o que lhe acentua ainda mais o ar inquisitorial – só porque alguém dá o exemplo da estranha apetência da família Soares por cargos pagos com dinheiros públicos? Só ímpias criaturas não percebem que a família Soares em Portugal tem como inspiração a família de Santa Gúdula, benfazeja padroeira de Bruxelas.

Santa Gúdula era filha de Santa Amélia de Gand e irmã de Santa Reinalda e de São Aldeberto. Mas não acabavam aqui os santos da família pois ainda havia uma tia que também era santa, mais precisamente Santa Gertrudes. Por junto apenas o pai, Viterico, não chegou a santo, mas sempre tinha o consolo de ser duque de Lorena, estatuto que não garante o Céu mas consola muito na Terra. Que lindo cartaz com Santa Gúdula pode o BE sugerir ao senhor ministro da Cultura! Até podem mandar um cartaz com Santa Gúdula, Santa Reinalda e São Aldeberto para que o presidente do CCB se demita de vez. Só mesmo os incréus não percebem que há famílias em que a santidade e a intocabilidade estão inscritas nos genes.

Quase a finalizar e reiterando o pedido feito por tantos portugueses, não posso deixar de sugerir ao BE que faça um cartaz com Maomé, cuja infância até inclui adopções multiculturais. Não duvido que vai ser um ribombante acontecimento.

Por mim, embora tenha tantas dúvidas sobre a vida após a morte, espero apenas já não estar neste mundo quando o BE começar a fazer cartazes com aquelas divindades hindus meio elefante meio outra coisa qualquer. Mas enquanto lá não chegarmos pode o BE contar comigo como assessora sobre santos, mártires e milagres.