Estou num quarto de hotel em Bruxelas. Vejo televisão e o mesmo tipo de imagens que periodicamente nos mostram sobre os cada vez mais frequentes ataques em cidades europeias, africanas e asiáticas. Civis inocentes que iam trabalhar, seguindo a rotina de todos os dias, morreram sem saber por que razão. E sem nada terem feito para morrer. Num minuto estão a cumprir a rotina diária e no minuto seguinte estão mortos. Terror no seu estado mais puro.

Não posso falar ao telefone (graças a Deus, há Internet) e não consigo sair de Bruxelas. Não há comboios e nem aviões (e soube agora que já não há carros para alugar). Deveria ir para Londres hoje mas não vou. Nem sei se irei amanhã. E tenho muita sorte, porque estou bem e vivo. Mas a minha “prisão” num hotel de Bruxelas mostra os novos tempos em que vivemos. A nossa segurança está ameaçada e nada podemos fazer acerca disso, a não ser desistir da vida e ficarmos em casa. Não sei se é uma guerra, nem tenho um bom nome para lhe dar. Mas sei que a nossa vida mudou. Rotinas simples, como apanhar o metro para ir trabalhar, podem significar o fim, a morte. Obviamente, não vamos mudar a nossa vida. Seria conceder uma vitória aos terroristas. Não podemos fazê-lo. A vida é mais insegura, as nossas famílias e amigos (e todos nós) viverão mais preocupados. Mas não podemos alterar os nossos hábitos.

Sobre os ataques terroristas, não há nada a acrescentar ao que se disse depois de Nova Iorque, Londres, Madrid, Paris, Istambul, Moscovo, Jacarta, Lagos, Bombaim e muitas outras cidades por esse mundo fora. Não há nada de novo. Sabemos quem os fez, quais as motivações e quem são as vítimas. Estamos a assistir à banalização (no sentido em que Arendt usou o termo) dos ataques terroristas. Não sabíamos, mas todas as idades estão condenadas à sua versão da “banalização do mal”; mesmo no mundo pós-Holocausto. Inevitavelmente, isto fará de nós menos tolerantes. As nossas sociedades serão mais nacionalistas e mais fechadas. Por isso, este ataque em Bruxelas tem um simbolismo forte. “Bruxelas” representa uma Europa integrada, tolerante, aberta e pluralista. As bombas de hoje foram também um ataque a essa Europa. Se a perdermos, a nossa vida será bem mais pobre. Mas não sei se ainda teremos poder e vontade para a salvar.

Por fim, uma confissão. Com os ataques de hoje, percebi uma coisa que não sabia: afinal, gosto de Bruxelas. A capital belga (e europeia) é uma daquelas cidades que muitos de nós que lá vivemos gostamos de criticar. O tempo não presta, os belgas são uns chatos, o “mundo da União Europeia” vive numa bolha, muitas vezes indiferente ao que se passa na “Europa real.” Mas, no meu caso, mais de sete anos a viver em Bruxelas, deixaram, afinal de contas, marcas sentimentais. As imagens do aeroporto e das estações de metro que usei centenas de vezes. O Starbucks do aeroporto onde bebi tantos cafés. Nada disto pode ser indiferente. Além disso, deixei em Bruxelas muitos e bons amigos que um dia vão usar o aeroporto e o metro. Bruxelas foi atacada hoje. A minha segurança nunca foi ameaçada. Mas fiquei triste, muito triste. E fiquei ainda mais triste porque foi necessário um ataque terrorista para perceber como gosto de Bruxelas.

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