Todos podemos perceber que o negócio bancário exige algumas regras de sigilo, que nem toda a informação pode ser pública e transparente para todos. Mas em função do que se tem vindo a saber da banca portuguesa nos últimos dez anos exige-se muito maior rigor de escrutínio público e democrático.

Estas linhas inicias aplicam-se a todas as instituições e a todos os casos que temos na praça pública, mas cinjamo-nos ao caso do Montepio.

O Montepio é uma instituição sem paralelo em Portugal. É um banco detido por uma Associação Mutualista, originariamente de perfil de investimento conservador e de baixo rendimento (mas certo!), com mais de 600 mil associados. Tanto o banco como a associação mutualista prestam serviços de aforro. O primeiro é regulado pelo Banco de Portugal a segunda está num hiato de regulação – como o Observador noticiou.

Ora aqui temos o primeiro problema para os associados do Montepio. Ao longo dos últimos anos da gestão mutualista de Tomás Correia, os associados foram sendo estimulados a retirar as suas poupanças do Montepio (banco) passando-as para a Associação Mutualista. A sedução fazia-se por um ideal de princípios mutualistas a que acresciam taxas de juro sedutoras. O que os associados mais desatentos não percebiam é que estavam a retirar as suas poupanças da protecção da garantia bancária do BCE/Estado, criando um grupo de potenciais futuros lesados do Montepio.

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“Os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo” garantia o Presidente da República Aníbal Cavaco Silva poucos meses antes daquele banco ruir. Se é verdade que já não há governante ou regulador que arrisque pronunciar-se desta forma sobre uma instituição financeira, os seus silêncios têm peso equivalente.

Em plena campanha eleitoral para a Associação Mutualista, Tomás Correia afirmou ter a “certeza absoluta” que as investigações em curso não o impediriam de continuar a desenvolver a sua actividade na associação mutualista. Desde ontem há vários órgãos de comunicação social a noticiar a sua renúncia iminente.

Passados três meses das eleições saiu o resultado da primeira das investigações sobre actos de gestão praticados no Montepio (banco) entre 2008 e 2015. O Banco de Portugal condenou Tomás Correia a pagar 1,25 milhões de euros, aplicou coimas a oito administradores e condenou o Montepio a pagar 3,5 milhões de euros na sequência de um processo de investigação por “irregularidades graves” na administração daquele banco.

As contas do Montepio tremem e noticia-se uma perda acelerada de associados. É óbvio para todos que, em Novembro, os poderes públicos já estariam na posse destas e doutras informações que se elas fossem do conhecimento público inviabilizariam a candidatura da lista comandada por Tomás Correia. Com o seu silêncio permitiram que Tomás Correia fosse construindo a sua reeleição a partir da tese que as investigações resultariam em absolvições e de que era um ataque de instituições concorrentes ao único banco 100% português e (ainda) não intervencionando pelo Estado.

Apesar de, como referi no início, ser compreensível que existam regras apertadas de sigilo para o sector financeiro, exige-se que as entidades reguladoras e o Estado disponibilizem informação relevante, sobretudo, em instituições como esta Associação Mutualista.

Note-se que entendo como vital para a nossa economia e para o equilíbrio das relações financeiras o papel de instituições mutualistas como o Montepio. Não sendo uma solução de cariz pública, ela é uma alternativa essencial ao sistema bancário privado convencional, num país em que não existe banca ética ou em que a banca cooperativa tem pouca expressão na maioria dos sectores económicos. As gestões do Montepio (banco e associação) têm vindo a desvirtuar os princípios mutualistas colocando as duas instituições a competirem ao lado da banca comercial e, tantas vezes, promovendo negócios tão ou mais arriscados.

Hoje não restam grandes dúvidas que se exige uma investigação séria e estruturada ao que se passou no Montepio nos últimos anos e que nenhum dos actuais administradores faz parte de uma solução com futuro. Se se compreende que tudo façam para se agarrar aos lugares garantindo que todos os associados contribuem para o pagamento das multas milionárias e, provavelmente, de todas as despesas judiciais a que estão sujeitos pelos actos de gestão praticados, cada dia em que se atrasa a sua saída representa uma machadada financeira e na credibilidade desta importante instituição.

O principal activo de uma associação mutualista como o Montepio é a confiança. A confiança entre a instituição e as pessoas (associados e potenciais associados). Com esta administração, seja ela liderada por Tomás Correia ou outro dos seus, este elo de confiança está definitivamente quebrado, pelo que urge recuperar a associação com um exigente programa de acção de interesse público e restabelecendo a confiança em torno dos princípios do mutualismo.

Tiago Mota Saraiva é arquitecto e urbanista de profissão. Associado e dirigente de entidades do terceiro sector a actuar em diversas áreas. Associado da Associação Mutualista Montepio