No dia 12 de Dezembro de 2022, Fernando Araújo, diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), no âmbito do Ato Público de Apresentação da Direção Executiva do SNS, admitiu que quer valorizar e cativar os profissionais e que é preciso encontrar formas de “os cativar, criando condições de poderem evoluir, de se realizarem, de conseguirem equilibrar a vida profissional com a vida familiar, de terem, acima de tudo, paixão por trabalhar no SNS” (1). Na verdade, os profissionais de saúde são a espinha dorsal de qualquer sistema de saúde, e a sua motivação e o seu comportamento influenciam significativamente o desempenho do SNS (2,3,4). Uma vez que o trabalho na saúde depende intensamente dos recursos humanos, é extremamente importante garantir a saúde e o bem-estar dos funcionários profissionais de saúde dado que são uma pedra angular para alcançar cuidados de alta qualidade com utilização otimizada de recursos (5,6,7). Só assim será possível garantir cuidados de alta qualidade com a utilização otimizada de recursos, um princípio fundamental dos cuidados de saúde públicos, por razões éticas e económicas (4).

Os profissionais da área são reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde como o investimento mais importante em cuidados de saúde, devido às exigências do trabalho, devido aos investimentos financeiros e não financeiros por parte dos profissionais e devido ao investimento contínuo em educação para manter a qualidade do seu trabalho (8). É necessário garantir que as organizações públicas serão capazes de enfrentar a maior propensão ao absenteísmo (9), de enfrentar o claro envelhecimento da força de trabalho, de atrair os trabalhadores mais jovens para a esfera pública (10; 11), sendo por isso importante perceber os fatores para atração e retenção de Profissionais de Saúde no Setor Público (12).

Existe uma perceção generalizada de baixa remuneração no Sistema Nacional de Saúde (13) que é realmente preocupante porque baixos salários promovem um ambiente indesejável, afetando a motivação dos profissionais (12), e afetam a relação entre os pares e com os utentes (14). As gerações mais novas podem ter níveis mais baixos de Motivação de Serviço Público (MSP) do que as gerações anteriores e, portanto, serão menos atraídos por organizações públicas (11,15) É importante enfrentar os problemas anunciados porque espera-se que um profissional com elevada Motivação de Serviço Público e a Perceção de Suporte Organizacional (PSO) tenha um impacto positivo no comprometimento organizacional e que leve a superior performance organizacional e, por fim, a promoção da Saúde Baseada em Valor.

A Motivação de Serviço Público (MSP) e a Perceção de Suporte Organizacional (PSO

A Motivação de Serviço Público tornou-se um tópico importante desde o início dos anos noventa. A MSP é definida como “uma predisposição do indivíduo para responder a motivos fundamentados primariamente ou unicamente em instituições e organizações públicas” (16). A motivação em trabalhar para o interesse público é o que distingue trabalhadores de organizações públicas de funcionários do setor privado (17,18) sendo as recompensas intrínsecas cruciais na motivação dos funcionários públicos e dos funcionários de entidades sem fins lucrativos (19,20). A Perceção de Suporte Organizacional (PSO), pode ser definida como um conjunto de “crenças globais desenvolvidas pelo empregado sobre a extensão em que a organização valoriza as suas contribuições e cuida de seu bem-estar” (21). É a perceção dos funcionários acerca da qualidade do tratamento recebido, ou seja, o quanto a organização cuida de seu bem-estar e como seus esforços são valorizados e retribuídos. Apesar das relações entre PSO e MSP não estarem bem estudadas, é expectável que a MSP tenha impacto positivo na forma como os funcionários em serviços públicos percecionam o suporte organizacional, havendo ainda possibilidade de o profissional atribuir diretamente a responsabilidade de gestão local às decisões centrais da Administração Pública, considerando o Governo o principal responsável pelas suas insatisfações profissionais. Por outro lado, se existirem incongruências entre as práticas da Gestão de Recursos Humanos entre as instituições dentro do SNS, a perceção da responsabilidade de atuação tenderá a cair na organização. As variáveis demográficas (idade, género, tipo de contrato, educação, estado civil e o enquadramento cultural) poderão ainda afetar a PSO e a MSP.

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Muita das dificuldades recentes dos recursos humanos na saúde advém da utilização do estilo de gestão do setor privado na administração pública, inserida no racional New Public Management, que teve um impacto crítico no domínio dos recursos humanos, nomeadamente na perda de especificidades habitualmente consideradas atrativas nos recursos humanos na esfera pública, como a garantia de estabilidade no emprego e maior previsibilidade de oportunidades de promoção (12, 22). Os atrasos nas progressões de carreira provocam perceções de diminuição de perspetivas de carreiras (23, 24) e são grandes desmotivadores, afetando, portanto, também a satisfação profissional (12). A promoção profissional afeta ainda a autoestima e a autorrealização pessoal e profissional dos trabalhadores (25). As diferenças do enquadramento jurídico legal dos profissionais em instituições de saúde públicas podem ter impacto negativo, os funcionários públicos (CTFP) estão enquadrados no direito administrativo, enquanto os trabalhadores em regime jurídico do contrato individual de trabalho (CIT) estão enquadrados no direito do Código de Trabalho. Estas diferenças à luz da lei e duração de contrato poderão promover perceções setoriais dentro dos grupos de trabalho e em relação ao tratamento e aos direitos e deveres da organização perante os dois modelos de contrato, promovendo diferenças da Perceção de Suporte Organizacional (PSO) e Motivação de Serviço Público (MSP) através dos antecedentes Equidade/Justiça Organizacional e ambiente organizacional “workplace environment”, aumentando a existência de ambiente indesejável que afeta a satisfação dos profissionais (26; 27, 28, 29).

Recentemente foram descongeladas as carreiras e abertos os concursos para especialista, havendo muitas dúvidas sobre a atribuição correta dos pontos aos CTFP e ainda sobre a validade, interpretações jurídicas díspares, na forma de atribuição de pontos aos CIT, não havendo ainda certeza a partir do que momento receberão os pontos relativos à progressão na carreira. Os contratos temporários na Saúde têm impacto na perceção da progressão da carreira, sendo que naturalmente os profissionais em regime temporário poderão sentir maior insegurança na progressão da carreira e insatisfação profissional.

Outros problemas incluem as disrupções de equipas, falta de controlo da assiduidade, ou a falta de incentivos para ela (durante a Troika foram suprimidos estes incentivos), o nível elevado de desgaste dos profissionais esgotados pelas horas extraordinárias, e as condições de trabalho pouco satisfatórias, resultando em níveis altos de “burnout” moderado e elevado. (13). A disrupção de equipas leva à destruição das condições de trabalho que por sua vez afetam a motivação dos funcionários (12,30,31) e criam um ambiente trabalho indesejável (12). Surgiram também várias críticas a esta forma de gestão relativamente ao foco em indicadores de avaliação que não se coadunam com a exigência das entidades públicas de saúde na promoção de Saúde Baseada em Valor (32,33).

Soluções para aumentar a PSO e MSP

Devem ser tomadas de imediato soluções para resolver os problemas apresentados e aumentar a PSO e MSP dos Hospitais Públicos Portugueses:

  • É fulcral que a harmonização entre os dois regimes contratuais CIT e CTFP prossiga, e o descongelamento das carreiras e atribuição de pontos deve ocorrer de forma a não promover a perceção de injustiça, que é um antecedente da MSP nos profissionais de saúde (12,34). Existe forte associação, em todos os sectores, entre PSO e justiça organizacional (35; 36; 37; 38). A perceção de injustiça ainda é mais sentida nas instituições Parceria-Público-Privadas (PPP) e ex-PPP (exemplo Hospital de Braga) em que é acentuada a ambiguidade jurídico-legal dos profissionais em Direito de Trabalho. Realçamos ainda a necessidade de práticas transparentes e claras por parte da Gestão de Recursos Humanos.

  • O aumento da autonomia aos hospitais e centros de saúde, não só nas contratações, mas também no investimento, pode ser uma boa oportunidade para melhoria do SNS. (13). Consideramos ainda que, com os mesmos objetivos, a aplicação dos ideais da New Public Governance, pelo seu elemento descentralizador, poderá ajudar a cumprir as medidas necessárias para aumentar a PSO (39), para isso cada hospital tem que pode definir, em negociação com cada profissional, as metas de desempenho a atingir.

  • Dada a natureza fragmentada da prestação de serviços públicos e do financiamento direto ou indireto de serviços de saúde através do Orçamento de Estado dedicado à saúde, exige-se cada vez mais transparência sobre os procedimentos das instituições. (40).

  • No sentido da obrigação do SNS alocar eficientemente os seus recursos, será fundamental a consolidação da utilização de avaliações económicas em saúde, entre as quais apontamos a Análise de custo-efetividade/Análise de custo-benefício. Adaptação de guias de orientação clínica (guidelines) internacionais para o contexto nacional, bem como da adoção de indicadores de qualidade segundo as mesmas, pela sua custo-efetividade e contributo para diminuição da utilização de serviços de saúde, diminuindo assim a sobrecarga imposta ao SNS e aplicação Modelos de cuidados, por exemplo modelos de cuidados estratificados (40).

1 – https://www.dn.pt/sociedade/diretor-executivo-do-sns-quer-valorizar-e-cativar-os-profissionais–15471851.html 
2 – Fritzen, S. (2007) Strategic management of the health workforce in developing countries: What have we learned? Hum. Res. Health , 5, 4.
3 – Campbell, J.; Dussault, G.; Buchan, J.; Pozo-Martin, F.; Guerra, M.G.; Leone, C.; Siyam, A.; Cometto, G. (2014.) A Universal Truth: No Health without a Workforce. Forum Report, Third Global Forum on Human Resources for Health; Global Health Workforce Alliance and World Health Organization: Geneva, Switzerland
4 -Gadolin, C. (2017), The Logics of Healthcare – in Quality Improvement Work, Doctoral dissertation, University of Gothenburg, Gothenburg, Sweden.
5- Demerouti, E., Bakker, A. B., Nachreiner, F., & Schaufeli, W. B. (2001). The job demands–resources model of burnout. Journal of Applied Psychology, 86: 499-512.
6 – Eklof, M., Torner, M. and Pousette, A. (2014), “Organizational and social-psychological conditions in healthcare and their importance for patient and staff safety. A critical incident study among doctors and nurses”, Safety Science, Vol. 70, pp. 211-221.
7 – Gadolin, C., Skyvell Nilsson, M., Ros, A. & Törner, M. (2021). Preconditions for nurses’ perceived organizational support in healthcare: A qualitative explorative study. Journal of Health Organization and Management, 35(9), 281–297.
8 – Muthuri, R.; Senkubuge, F.; Hongoro, C. (2020) Determinants of Motivation among Healthcare Workers in the East African Community between 2009–2019: A Systematic Review. Healthcare, 8, 164.
9 – Mastekaasa A (2020) Absenteeism in the public and the private sector: Does the public sector attract high absence employees? Journal of Public Administration Research and Theory 30(1): 60–76.
10- Colley, Linda. (2013). “Understanding ageing public sector workforces: Demographic challenge or a consequence of public employment policy design?” Public Management Review 16 (7): 1030-1052. doi: 10.1080/14719037.2013.771697
11 – Ng, Eddy, Charles W. Gossett, and Richard Winter (2016). “Millennials and public service renewal: Introduction on millennials and public service motivation (PSM).” Public Administration Quarterly 40 (3): 412-428
12- Fernandes, A.; Santinha, G.; Forte, T (2022). Public Service Motivation and Determining Factors to Attract and Retain Health Professionals in the Public Sector: A Systematic Review. Behav. Sci. , 12, 95. https://doi.org/10.3390/bs12040095
13 – Relatório de Primavera (2022), OBSERVATÓRIO PORTUGUÊS DO SISTEMAS DE SAÚDE.
14 – Alhassan, R.K.A.; Nketiah-Amponsah, E.; Spieker, N.; Arhinful, D.K.; de Rinke Wit, T.F. (2016). Assessing the Impact of Community Engagement Interventions on Health Worker Motivation and Experiences with Clients in Primary Health Facilities in Ghana: A Randomized Cluster Trial. PLoS ONE 11, e0158541.
15 – Parola, Heather & Harari, Michael & Herst, David & Prysmakova, Palina. (2018). Demographic determinants of public service motivation: a meta-analysis of PSM-age and -gender relationships. Public Management Review. 21. 1-23. 10.1080/14719037.2018.1550108.
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33 -Gray, M. & Jani, A. (2016) Promoting triple value healthcare in countries with universal healthcare. Healthcare Papers.
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40 – https://gitmapfisio.wixsite.com/gitm/noticia-10-fme-sns