Já foi mencionado aqui a ligação que existe, e a forma como esta se desenvolve, entre o movimento conservador Americano (agora quase totalmente cooptado pelo fenómeno MAGA) e as forças iliberais que tomaram conta da Hungria desde que Orbán, e o partido que lidera, o Fidesz, ganharam o poder em 1998. Quando a Conservative Political Action Conference (CPAC) resolveu trazer a sua marca de polarização, intolerância e iliberalismo para Budapeste, o “espetáculo” foi deveras confrangedor, porém bastante preocupante.

Sempre na procura de abrir novos “mercados”, os Schlapps (parece uma piada, mas não é), Matt e Mercedes, o power couple que lidera a CPAC e as forças pró-Trump que têm notoriedade suficiente para serem convidados para fazer preleções ou participar em debates durante a Conferência, convidaram Orbán para fazer um discurso na última CPAC, desta vez em Dallas, Texas. Naturalmente, para a maioria dos presentes na conferência, o senhor anafado, de cabelo grisalho e sotaque esquisito não lhe dizia nada, e quase nada continuará a dizer-lhes no futuro. Aliás, Orbán não pode ser completamente explicado aos conservadores da American heartland. Afinal o líder europeu prefere comprar energia aos russos que aos americanos, têm leis pró-aborto no seu país e oferece apoios sociais extensos. Na verdade, a explicação mais óbvia é este convite ser uma recompensa por “serviços prestados”, proporcionando exposição mediática. Ao mesmo tempo, aproveitando para agradar, uma vez mais, à fação xenófoba, pró-russa, homofóbica e anti modernidade na CPAC, liderada por Tucker Carlson da FOX-News.

Para além da linguagem inflamatória a que estamos habituados (avisos sobre judeus, necessidade de valores tradicionais, os perigos dos gays, as guerras culturais), para nós, europeus, a atenção deve recair numa frase que, não sendo a primeira vez que é usada, torna-se cada vez mais importante denunciar (retirado da transcrição oficial do discurso de Orbán): “Temos de retomar as instituições em Washington e Bruxelas. Temos de encontrar amigos e aliados entre nós próprios. Temos de coordenar o movimento das nossas tropas, porque lidamos com o mesmo desafio. Vocês [americanos] têm eleições presidenciais e para o congresso em 2024. E nós [membros da União Europeia] temos eleições para o Parlamento Europeu no mesmo ano”, e “Os liberais progressistas não querem que eu esteja aqui, porque sabem o que vos venho aqui para dizer (…) que devemos unir as nossas forças.

Numa conversa, em Lisboa, com Edit Zgut-Przybylska, cientista política, fellow no programa re:constitution e autora de artigos sobre como a Hungria tem resvalado para um estado iliberal, ela explicou-me qual a visão desde Budapeste: “O governo Húngaro isolou-se da Europa. A relação [do Fidesz] com os conservadores americanos serve para fortalecer a legitimidade interna do regime de Orbán, ao mostrar que a Hungria é um fator na política mundial, algo que é visto como positivo por um antigo, e potencial futuro, líder de uma superpotência, Trump”. De facto, Orbán marcou, ostensivamente, uma posição de distanciamento com a Administração Biden ao encontrar-se com Donald no seu resort em Bedminster, New Jersey, a caminho do Texas, onde o antigo Presidente fez saber que tinha sido “(…) ótimo passar tempo com o meu amigo Orbán”. O mesmo Orbán que, ao dirigir-se a estudantes na Balvanyos Summer Free AcademyI, em Baile Tusnad, na Roménia, disse que os húngaros “não são uma raça mestiça, e não queremos ser uma raça mestiça”, o que levou à demissão de uma das assessoras de longa data, Zsuzsa Hegedus, que classificou esse discurso como “merecedor de Goebbels”.

E o processo continua a ganhar massa crítica. Edit explicou-me como funciona a rede de think tanks entre a Hungria e os Estados Unidos (movimentações bem descritas pela equipa atrás do website Atlatszo.hu), com fundações políticas húngaras, quasi-estatais, a contribuir com dinheiro para os conservadores disseminarem as suas ideologias no Leste da Europa, e os think tank conservadores a promoverem Orbán nos Estados Unidos. É esta a vaga que se estabelece para 2024, e o caminho que vai ser percorrido até lá: ataques frontais a instituições de governação, combate a políticas inclusivas e progressistas, o minar das democracias liberais de forma a que partidos minoritários se estabeleçam no poder (e não o larguem), o final da ordem mundial em detrimento de maior poder para déspotas e autoritários, com uma aliança entre estados iliberais (China, Hungria, Rússia) com a grande potência que é os Estados Unidos. E a União Europeia, e em particular a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu têm de confrontar esta ameaça diretamente.

A União tornou-se refém dela própria ao celebrar Tratados que, necessários, construíram mal o projeto europeu. A Hungria (e não só) não pode continuar a ter todos os meios disponíveis para impedir a construção do projeto europeu, ou, pior ainda, reformular o que foi criado, e que continua a ter o apoio incondicional de uma significativa maioria de Europeus. Começa a não haver tempo para meias-medidas, cartas floreadas e insinuações de ameaças. A União Europeia tem de se manter firme naquilo que são os seus valores base: direitos humanos, Estado de Direito, economia de mercado, liberdades individuais e coletivas, progresso civilizacional. Se o Sr. Orbán quiser, ele que se mude para Dallas. Eu conheço a cidade, muito bonita, tem bom tempo, bons bifes, os Mavericks e os Cowboys. Nós, os Europeus que queremos viver em democracias liberais, vamos ficar por cá para lutar por elas.

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