O orçamento. Esse documento que se não for aprovado provoca eleições e faz cair governos. Um documento de que aparentemente tanto depende, pelo menos tendo em conta o tempo que dispensamos para o fazer, rever e discutir. É absolutamente fundamental planear a despesa e a receita, estou de acordo com essa ideia. Mas, como a palavra indica, é um orçamento, uma estimativa do exercício do ano seguinte e uma ferramenta de planeamento onde o executivo define algumas das suas intenções políticas.

António Costa e o PS ficaram numa situação difícil em 2015. Decidiram seguir o caminho contrário à sua história para sobreviverem, relegando os parceiros habituais de governação e criando uma alternativa com bloquistas e comunistas, uma frente de esquerda. Algo inédito em Portugal e muito bem recebido por parte da sociedade. Finalmente uma solução que iria permitir verdadeiro progresso, ainda que debaixo da mordaça da União Europeia (já vamos à parte das contas certas). O PS e António Costa fizeram o que sempre fazem. Prometeram tudo o que tiveram que prometer para garantir que existia alinhamento e acordo. E houve. Pelo menos estavam de acordo em reverter todas as medidas impostas no tempo da troika. Impostas é um termo curioso, uma vez que foi uma boa parte deste governo PS que as negociou, na sequência da situação catastrófica em que o segundo governo de José Sócrates, única maioria absoluta do PS, deixou o País.

Entrava então o trunfo de António Costa para colar este castelo frágil de reivindicações, Mário Centeno. O governo negociava e colocava as medidas em orçamento, mas toda a despesa era validada pelo ministro das Finanças. Consolidava-se assim a estratégia das cativações, ferramenta usada e abusada por este governo para ir toureando os parceiros da geringonça e os portugueses, anunciando medidas em orçamento que posteriormente não eram executadas, resultando em poupança. Foi esta a magia orçamental das cativações. Os partidos discutiam até à exaustão as suas medidas no orçamento que depois eram ou não cativadas conforme a decisão do ministro das Finanças. Naturalmente que as medidas cativadas eram muitas vezes as medidas dos partidos que apoiavam a governação e não as do partido do governo. Medidas como o reforço dos cuidados de saúde primários, uma proposta muito válida do BE, que está sempre nas intenções, mas nunca é executada. Por aqui terá começado o fim da geringonça. Mas foi assim que chegámos ao primeiro superavit orçamental da história recente. Através dos mais baixos investimentos públicos da história democrática nacional.

É na arbitragem entre estas duas realidades que reside o sucesso deste PS mais recente, o das contas certas. E foi assim que se garantiu o funcionamento nestes anos de geringonça, fazendo algumas concessões de um lado, congelando o investimento público ou aumentando impostos indiretos, esses mesmo que não olham ao tamanho da carteira de quem os paga, que são iguais para todos. Impostos como o ISP que tanto pesa na carteira de todos os portugueses diariamente. Conseguimos ter a solução governativa mais à esquerda da nossa democracia a aprovar consistentemente os investimentos públicos mais baixos da nossa democracia. Não sei se será progresso, mas positivo não é certamente.

Daí a minha insatisfação com o tempo e o foco que dedicamos ao orçamento neste país. Seria tão melhor se em vez de medirmos as intenções e as promessas dos políticos, medíssemos o impacto e as consequências das medidas dos mesmos. Suspeito que se dedicássemos metade do tempo a analisar a execução orçamental teríamos um País bem mais informado e consciente. Porque muito mais importante que orçamentos e cartas de intenções é a execução dos mesmos. É aqui que vemos o que realmente foi feito e impacta a vida das pessoas. E, infelizmente, é manifestamente pouco.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR