Conforme referimos no nosso anterior artigo “A Natureza fala, mas o homem não a escuta”,  de acordo com o último Circularity Gap Report (publicado pela Plataforma para Acelerar a Economia Circular -PACE- lançada em 2017 como uma colaboração público-privada, copresidida pelo CEO da Philips, os diretores do Global Environment Facility e do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, com Ellen MacArthur Foundation, o International Resource Panel, o Circle Economy and Accenture Strategy como parceiros), atualmente a economia global é apenas 8,6% circular, ou seja a economia abundantemente praticada globalmente é economia linear e, ou de reciclagem/resíduo.

Isto significa que extraímos, produzimos e consumimos produtos, utilizamo-los (ou nem isso sequer) e descartamo-nos deles acabando no lixo, ou usamo-los reciclados (depois de descartados) o que, na prática, significa apenas adiar o seu final no caixote do lixo e posteriormente disposicão em aterro ou incinerados, porque se tratam maioritariamente de produtos de qualidade inferior à dos produtos originais que não podem ser reciclados infinitamente como o plástico, o papel, o têxtil, por exemplo.

Por oposição a estes modelos económicos baseados no desperdício e na reciclagem que inevitavelmente geram resíduos, a Economia Circular (também chamada atualmente de Regenerativa), adota o conceito e modelo “Cradle to Cradle” (“berço a berço”): Remaking the Way We Make Things”, 2002, descrito na obra do químico alemão Michael Braungart e do arquiteto norte-americano William McDonough os produtos são desenhados para, ao final do uso, da sua vida útil, poderem retornar a seus ciclos técnico e biológico tornando-se “nutrientes biológicos” (materiais que podem reentrar no ambiente) ou “nutrientes técnicos”  (materiais que permanecem dentro de ciclos industriais de ciclo fechado)

Este modelo assenta numa visão de sistema regenerativo perpétuo pela otimização dos recursos que usamos (matérias-primas, energia, água, etc), mantendo-os em círculos produtivos duradouros, de modo a conseguimos ter uma utilização para tudo se produz e usa, nuca se transformando em resíduos, passando o caixote do lixo à irrelevância.

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Consequentemente, a transição para a economia circular implica uma mudança de paradigma de todo o sistema socioeconómico multinível, desde o design e conceção, em que tudo e todos têm um papel, a começar pelo abandono da ainda enraizada crença de que o crescimento económico assenta na exploração de novos recursos e é ilimitado, de que o bem estar é aferido pelo que se tem individualmente, ou de que o planeta é um supermercado infinito. Funda-se no dever e responsabilidade do Homem, enquanto espécie animal racional (Homo sapiens sapiens)racional, de gerir os recursos em equilíbrio com os ecossistemas e de forma a permitir a regeneração do planeta do que usa destes, do dever de consideração das necessidades das futuras gerações de seres vivos e de integração de políticas (sociais, económicas, ambientais) globais.

Vejamos pois sucintamente as oportunidades e o estado da arte em Portugal no setor empresarial.

Estudos de 2015 mostram que a economia circular tem um potencial de 4,5 triliões de dólares ao nível do crescimento económico mundial até 2030 e o uso de recursos triplicou desde 1970 e poderá duplicar de novo até 2050 se nada for feito. As políticas sustentáveis e a transição para uma economia verde representam um mercado em claro crescimento, do qual surgirão oportunidades em múltiplas indústrias se estivermos preparados.

Em 2015 foi definida a Agenda 2030 (pela ONU num trabalho conjunto de associações de cidadãos e governos de todo o mundo e demais parceiros), constituída por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com metas quantitativas, nas suas várias dimensões (social, económica, ambiental) que promovem a paz, a justiça e instituições eficazes, numa visão comum para a Humanidade. Na sua senda, surgem os ESG (conjunto de práticas ambientais, sociais e de governança que as empresas devem incorporar na sua visão de negócio, numa autêntica cultura de responsabilidade social e ambiental, e assim deverão ser considerados como parte da estratégia financeira das empresas.

Em 2016, com o acordo de Paris, a UE apresentou a sua estratégia de redução a longo prazo das emissões e os seus planos atualizados em matéria de clima, comprometendo-se a reduzir as emissões em, pelo menos, 55 % até 2030, em comparação com os níveis de 1990, em 2019 o Roteiro Nacional para a Neutralidade Carbónica e o Pacto Ecológico Europeu,  transmitiu uma nova estratégia de crescimento que visa transformar a UE numa sociedade equitativa e próspera, dotada de uma economia moderna, eficiente na utilização dos recursos; em 2020, o Plano Nacional Energia e clima (PNEC), estabelece  metas ambiciosas, para o horizonte 2030, nacionais de redução de emissões de gases com efeito de estufa (45% a 55%, em relação a 2005), de incorporação de energias renováveis (47%) e de eficiência energética (35%), interligações (15%), segurança energética, mercado interno e investigação, inovação e competitividade e concretiza as políticas e medidas para uma efetiva aplicação das orientações constantes do RNC2050 e para o cumprimento das metas definidas. A Lei do Clima, aprovada em 2021, tem objetivo de em 2050, atingir a neutralidade climática. Os Estados-membros da União Europeia (UE) vão ser obrigados a colocar em prática medidas que garantam essa neutralidade — isto é, zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa.

Mas e para que não fiquemos apenas pelas políticas no papel, aqui ficam algumas das medidas e desafios práticos e regulatórios que estas implicam: Ampliação das funcionalidades dos produtos; Eliminação de produtos com ciclos de vida muito curtos; Eliminação da obsolescência planeada; Remoção de obstáculos à reparação e ao upgrade ou durabilidade, bem como nossa pela prática individual ou coletivamente, dos R´s da sustentabilidade.

Em Portugal, em 2021 foi feita a Avaliação geral da realidade do tecido empresarial em Portugal em matéria de Economia Circular, no âmbito do Projeto E+C  promovido pela CIP conjuntamente com a sua  rede associativa e com o apoio técnico da EY-Parthenon

Em resultado da realização de um diagnóstico sobre as barreiras ao aprofundamento da Economia Circular nas empresas em Portugal que detêm um papel fundamental na transição em todos os setores de atividade verificamos  das barreiras mais restritivas à implementação de estratégias  de circularidade, sobressai a Legislação e enquadramento regulamentar (maioritariamente devido a regulamentação complexa e processos de desclassificação de resíduos difíceis e demorados) e as Questões económicas e financeiras (dada a necessidade de investimento de longo prazo) e ainda uma reduzida percentagem tem em conta a temática nas suas decisões de modo a reduzir a sua pegada ambiental e é um elemento central da sua estratégia.

Resulta ainda deste diagnóstico que o contexto em Portugal do tecido empresarial português é, maioritariamente, permeável e sensível à importância das questões ambientais, bem como da economia circular, mas muito focado na gestão resíduos, ou seja ”no correr atrás do prejuízo” , e não  “De nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, Antoine-Laurent de Lavoisier, que implica  o total aproveitamento e reintrodução no processo produtivo do que extraímos e produzimos, como temos vindo a falar.

Existe, até por uma questão de mitigação da escassez dos recursos naturais, uma perceção de que estes temas são críticos á sua sobrevivência, competitividade e crescimento futuro, mas ainda uma enorme incapacidade de os implementar na prática, nos negócios, de os incorporar nos processos produtivos de início ao fim da cadeia de valor e da sua adoção como elemento e conceito estratégico da sua atividade empresarial.

Para este estado da arte, parece-nos concorrerem para além das barreiras já assinaladas também muito o receio e resistência a mudar o paradigma, ou seja, pensar, atuar e fazer diferente e de perceberem que são parte dum ecossistema em que as parcerias e as sinergias/simbioses são absolutamente fundamentais.

Dito isto, diríamos que é muito positivo que a generalidade das empresas portuguesas considere estas temáticas importantes, pelo que o é preciso é olhar para as barreiras e constrangimentos dos vários setores e dimensões, e responder aos desafios o que passa muito pela mobilização das empresas  no sentido de criarem ações conjuntas entre indústria, academia, sociedade civil e Estado, que tem também um papel fundamental na política pública como um facilitador e promotor e nos incentivos/investimentos gerados.

Neste sentido os cenários a desenvolver passam por uma forte Simbiose Industrial, Urbana e projetos de I&D avançados, bem como uma monitorização dos principais indicadores e evolução dos mesmos para compreender se as ações atuais são suficientes para o atingimento dos objetivos.

Parece-nos ser muito relevante entender a variação do potencial para a circularidade e do impacto do desperdício nas cadeias de valor: entre produção, distribuição e consumo. É sobretudo ao nível do consumo que o desperdício mais se verifica, de forma transversal às diversas indústrias.

Este ponto é crucial para entender que a transformação e regeneração sustentável só pode ocorrer de forma colaborativa onde envolvemos não só empresas e outras organizações, mas também o cidadão, o consumidor. Uma transformação centrada no consumidor, orientada ao cidadão e guiada pela Sociedade Civil é a chave para um novo modelo social, económico e ambiental para que o era “fim”/lixo seja um novo “começo”, perpetuamente.

“Consider this: all the ants on the planet, taken together, have a biomass greater than that of humans. Ants have been incredibly industrious for millions of years. Yet their productiveness nourishes plants, animals, and soil. Human industry has been in full swing for little over a century, yet it has brought about a decline in almost every ecosystem on the planet. Nature doesn’t have a design problem. People do.”
William McDonough, Cradle to Cradle: Remaking the Way We Make