Num conflito interno que pouco importa denunciar, porque os nossos amigos americanos chegaram à conclusão de que nada mais poderiam tirar de lá, eis Leyla, Amina, Mona e tantas outras denunciando no Comité Internacional da Cruz Vermelha a sua precária situação. Privadas do bem mais essencial, o de existir, relatam os atropelos aos direitos humanos, em geral, e da mulher, em particular, que os tubarões de uma sociedade destruída por guerras sem fim regulam.

Mulheres que perderam o seu estatuto parlamentar, representando apenas um número, que foram obrigadas a divorciar-se por pertencerem a uma origem diferente do marido, vítimas de deslocações, assassinatos, sequestros, violações… um Iraque pós Hussein ainda mais intolerável! Para Leyla, Amina e Mona o importante hoje é conseguir sobreviver, sem que uma bala as atinja ou um olhar malicioso lhes tire a dignidade.

Maria, ela, olha-se ao espelho da sua casa de banho e dá os últimos retoques na sua máscara social. Para ela o Iraque está longe e nada do que se passa a afeta. Luta dia a dia para preservar um emprego, por si só já precário. A pandemia transformara-se no dilúvio do século XXI e no poço de riqueza de alguns, como se não houvera uma gripe das aves, uma peste das vacas loucas, um antrax e tantas outras maleitas rapidamente esquecidas. Tinha de lutar arduamente para conservar o seu posto, esse sim era o seu grande problema, não tinha tempo para se preocupar com as iraquianas vestidas com a sua burka que mal as deixava respirar ou as violações que ocorriam em massa pelos países ditatoriais misóginos, onde a mulher não existe, é apenas uma sombra que percorre as ruas destruídas pela fúria dos conquistadores dos tempos modernos.

“O conflito teve um impacto direto sobre as mulheres, tanto material quanto moralmente. Deslocamentos, assassinatos, sequestros e casos de violações criaram uma atmosfera de terror e ansiedade. Acima de tudo isso, o medo de perder membros da família devido a todos estes riscos e ameaças. De qualquer forma, há um lado positivo, já que os laços familiares tornaram-se mais importantes” – diz Amina.

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Maria lia rapidamente este testemunho no seu novíssimo Ipad, enquanto engolia uma torrada queimada. Pensava na mãe que não via há meses, no pai de quem apenas sabia novas pelo Facebook. Talvez um dia fosse visitá-los.

Invadiu-a um sentimento de tristeza e ansiedade. Afinal a guerra do Iraque também a afetava. Seus olhos humedecidos olharam para o telemóvel. Hoje não iria trabalhar, hoje ficaria em casa e escreveria, escreveria até seus dedos não poderem mais, até sua mente envelhecida pela dor do tempo gritasse por socorro. Então aí sim, deitar-se-ia e sonharia num mundo onde o Iraque sorriria e as mulheres, sentadas nos carros que até então eram proibidas de conduzir, acenariam para um mundo onde seria bom viver.

Até lá, Maria escreveria, escreveria, escreveria, numa fúria epilética para gritar a viva voz, deixem-nas em paz!!! E as inocentes deixariam o silêncio.

Não adormeceu, Maria, pegou no carro. Era tempo de ir à terra ver os seus e quebrar este silêncio que se tinha instalado entre ela e os pais.