Devagarinho — eu acho — foi ganhando espaço a ideia que não devemos “forçar”, “impor” ou “exigir” alguns comportamentos ou certas mudanças aos nossos filhos. Porque “eles têm pouco tempo para ser crianças”. Porque isso seria pouco “democrático”. Ou porque devemos dar a oportunidade de lhes caber a eles o momento em que decidam abandonar um determinado comportamento. Seja prescindirem da chupeta. Abandonarem as fraldas. Ou deixarem de acabar todas as noites no quarto dos pais. No fundo, foi-se criando a ideia que contrariar é traumatizar. Como se qualquer não, sem um “comboio” de explicações e de justificações, doesse a uma criança.
Ora, não questiono que um “não doa. Nem a bondade da intenção com que os pais e os seus “nãos” se vão relacionando com as crianças. Mas acho que muitos pais talvez tenham crescido com tantos “nãos” tão imperativos e pouco razoáveis que, na ânsia de darem aos filhos a oportunidade deles terem a opinião que os pais não puderam ter, construíram esta ideia de um não “amigo” do traumatismo. Mas o “não!” não é traumatismo. É como o norte para a bússola.
A noção de traumatismo foi, em boa hora, trazida pela psicanálise para o senso comum. Porque há mais de cem anos, se assumiu que a infância não era um passeio. Que as crianças não andavam todas distraídas. E que as experiências de sofrimento infantil condicionavam — muitas vezes, gravemente — o desenvolvimento de inúmeras crianças, para toda a vida. Trazendo-lhe imagens dolorosas que pareciam ser “nódoas difíceis”. E que, quer estivessem elas no Saara ou nas Galápagos, as “perseguiriam”, por dentro. E que, contra a sua intenção, acabariam a projectar-se noutras relações significativas que viessem a ter. E a enviesá-las. Tornando-as muito semelhantes àquelas que terão gerado esses estados de tristeza e de angústia. Como se tais cicatrizes fossem uma espécie de “destino” que parecia perpetuar, noutras relações, o sofrimento infantil.
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