Devo dizer que o Presidente Rebelo de Sousa é uma delícia para quem faz análise política. Sempre imprevisível e pronto para uma surpresa, faz política com inteligência, mas sobretudo possui um agudo sentido de poder. Numa posição invejável tem sabido reforçar a sua autoridade desde que chegou a Belém. A sua relação com o PM, António Costa, parece um filme político, daqueles com episódios que não se devem perder. Ao último episódio, poderíamos chamar “Maquiavel em Belém.”

A visita de Mario Draghi – outro Príncipe florentino – ao Conselho de Estado constituiu um momento maquiavélico do Presidente. Para uns, Marcelo chamou o presidente do BCE para ajudar o governo. São os que desejam uma lua-de-mel permanente entre Belém e São Bento. Talvez sejam forçados a regressar à política mais cedo do que esperam. Outros sublinharam as mensagens duras que Draghi enviou ao PM. Não só elogiou o anterior governo, avisando Costa (o António) que não será inteligente regressar a 2011. Foi mesmo mais longe e o ‘elogio’ que deixou ao governo foi por ter preparado um “plano B”, que nenhum português conhece, mas de cuja existência as instituições europeias não duvidam.

Pelo meu lado, pretendo sublinhar o momento maquiavélico de Rebelo de Sousa (‘maquiavélico’ no sentido virtuoso do termo, como um modo inteligente de reforçar poder). O Presidente não só reforçou a sua autoridade em relação ao PM, como se posicionou como um interlocutor privilegiado do homem mais poderoso da zona Euro (a Chanceler alemã é uma mulher). Vejamos então o que aconteceu na passada quinta-feira em Belém. O convidado do Presidente disse ao PM, perante os membros do Conselho de Estado, o que o líder da oposição, Passos Coelho, tem dito nos últimos meses: ‘não mude o que o meu governo fez nos últimos quatro anos, continue as reformas, e este orçamento exige um plano B.’

Como é óbvio, Rebelo de Sousa conhece muito bem o pensamento de Draghi e as doutrinas do BCE. Como afirmaram os aliados anti-europeus do governo, o BCE fazia parte da “troika” e apoiou todas as políticas que este governo rejeita e que o PS criticou nos últimos quarto anos. Por isso, o Presidente certamente saberia que Draghi iria dizer o que disse. Convidar o presidente do BCE para deixar avisos ao PM e elogiar o legado do anterior governo e, simultaneamente, afirmando que a iniciativa visava ajudar o país, é Maquiavel no seu melhor. Chapeau Senhor Presidente. António Costa deverá ter tido as piores horas desde que se tornou PM.

Ao mesmo tempo, numa hora a dois, Marcelo terá dito de um modo muito claro a Mario que acompanhará de um modo muito activo o respeito pelos compromissos europeus por parte do governo. O Presidente português tornou-se num interlocutor importante do presidente do BCE, a instituição que neste momento garante o funcionamento da economia nacional. Mais importante: um interlocutor credível.

O Presidente deixou ainda um aviso ao governo. Gozando da competência de promulgar os orçamentos, irá acompanhar de um modo activo e próximo tudo o que diga respeito às finanças públicas. Este acompanhamento incluirá, como se viu, iniciativas e surpresas. Não me espantaria se nas próximas semanas, o presidente da Comissão Europeia almoçasse ou jantasse em Belém. Depois da valente canelada que levou em Belém, será que António Costa já tem saudades de Cavaco?

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