A auditoria da consultora Deloitte à gestão do Banco Espírito Santo e Novo Banco, entre 2000 e 2018, veio confirmar o que já sabíamos: o BES teve uma gestão ruinosa. Os ativos tóxicos do BES que ficaram no NB estão na origem de perdas de cerca de 4 mil milhões de euros, 2% do PIB.

Nada de novo. Ainda assim, esta nova auditoria é útil.

Em primeiro lugar, a análise e discussão da nova auditoria deve elucidar os portugueses sobre o destino dos milhares de milhões de euros ‘distribuídos’ pelo BES. Os milhares de milhões de euros pagos pelos contribuintes tapam os buracos dos devedores que não pagaram os seus empréstimos. Aquele dinheiro não se evaporou, foi parar aos bolsos de empresas e de particulares.

Em Portugal, fala-se muitas vezes em redes obscuras de interesses. A concessão de crédito foi um dos principais instrumentos de poder da nossa classe dirigente extratora. O valor das perdas no BES e NB ultrapassam os 5% do PIB. A crise económica e financeira e a gestão incompetente não são suficientes para explicar o total das perdas. A auditoria deve servir para analisar, com detalhe, as operações e identificar os esquemas que permitiram algumas entidades acederem a montantes absurdos de crédito. É aqui que se encontra a explicação da discrepância entre o valor (sobreavaliado) dos ativos no balanço do NB e o polémico valor da sua venda.

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Vale a pena começar pelo início da história. Quem foram os responsáveis pela concessão do crédito? Houve falhas sistémicas no processo de avaliação de risco? Foram decisões discricionárias? Só assim perceberemos como chegámos a este ponto. Só assim teremos a certeza de que as redes que estiveram na origem daqueles créditos foram desmontadas e que o NB é de facto um banco novo.

Em segundo lugar, a auditoria à gestão do BES e NB pode ajudar a avaliar melhor a bondade da resolução do BES em 2014. Uma parte do crédito malparado acumulado pelos bancos portugueses deveu-se à grave crise financeira e económica que atingiu Portugal entre 2008 e 2014. Nessa altura, muitos projetos tornaram-se economicamente inviáveis. No entanto, no caso do BES, eram tantos os projetos inviáveis ao ponto de o próprio banco se tornar inviável, levando à criação do NB. Na verdade o NB não era um banco bom, como confirmou Byron Haynes, Presidente do Conselho Geral e de Supervisão do NB, em entrevista ao Expresso.

A manutenção de muitos ativos tóxicos no balanço do NB é uma das principais críticas ao processo de resolução de agosto de 2014. Nessa altura, quando se começava a recuperar de uma longa e severa crise económica, existia ainda muita incerteza. A avaliação dos ativos era mais complexa. Por outro lado, Portugal acabava de concluir o programa de assistência económica e financeira acordado com a troika e a situação financeira era ainda muito frágil. Em 2017, no anúncio da venda do Novo Banco à Lone Star, o primeiro-ministro António Costa ainda sentiu necessidade de afirmar que não existia impacto nas ‘contas públicas ou sobre os contribuintes’. Mais um exemplo de como a demagogia gera demagogia, que agora grassa em torno das transferências do Fundo de Resolução para o NB.

As vendas de ativos pelo NB coincidiram com um período de expansão económica e de valorização imobiliária. Ainda assim, as perdas são brutais. Pelo menos, em parte, isto era inevitável. O incentivo para utilizar o fundo de resolução acelerou o processo de venda de ativos. Com os efeitos da pandemia covid-19, o adiamento das vendas teria conduzido a perdas ainda maiores.

Finalmente, a auditoria à gestão do BES e do NB confirma, mais uma vez, a responsabilidade do sistema bancário na estagnação da economia portuguesa nos últimos 20 anos. A banca, com raras exceções, não cumpriu a sua função económica e social: contribuir para o desenvolvimento do país, através da seleção e do financiamento dos projetos com maior potencial de crescimento. Numa época em que Portugal teve acesso a liquidez como já não tinha desde o ouro do Brasil no século XVIII, as classes dirigentes desperdiçaram a oportunidade de desenvolver o país. Em vez disso, deixaram uma enorme fatura para as futuras gerações.

Nos tempos difíceis em que vivemos, com as dificuldades económicas a agravarem-se, o poder de decisão de sobrevivência de muitas empresas vai caber aos bancos. Muitas empresas foram apanhadas pela pandemia numa fase de expansão e investimento. A sua vida, ou morte, depende da renovação ou do reforço do crédito. Para que a capacidade produtiva do país não saia enfraquecida, é crucial que sobrevivam as empresas mais produtivas, mais inovadoras e com maior potencial de crescimento nos mercados internacionais.

No fundo, a principal utilidade da auditoria ao Novo Banco é o sublinhar dos erros passados da banca. Importa agora assegurar que os procedimentos de avaliação de risco e da atribuição de crédito mudaram e que a banca, desta vez, vai ser capaz de desempenhar a sua função social. Sem mais faturas para os contribuintes.