Confirma-se: Pedro Passos Coelho está-se mesmo a “lixar” para as eleições. Se dúvidas havia, as grandes linhas da política orçamental que este Governo apresentou ontem aí estão para as afastar. O Programa de Estabilidade e Crescimento para o período 2016-2019 — que coincide com a próxima legislatura — não facilita. Mantém a linha de desmantelamento gradual e cauteloso das medidas de emergência que foram erguidas durante o período da troika e não acena com facilidades que, bem feitas as contas, não se percebe de onde possam surgir.

Se alguma coisa faz sentido, durante o período eleitoral que está à porta dificilmente os partidos da maioria PSD/CDS poderão apresentar uma estratégia orçamental que seja diferente desta.

Independentemente das medidas concretas que lá estão e do sentido que fazem, esta é uma abordagem eleitoral a que não estamos acostumados. A prática das últimas décadas sempre foi a do eleitoralismo descarado com o objectivo de caçar votos. Com a honrosa excepção do governo do Bloco Central liderado por Mário Soares em 1983-85 — que teve a inteligência de seguir a severa austeridade desenhada por Êrnani Lopes —, ano de eleições sempre foi sinónimo de regabofe orçamental acrescido, de medidas e promessas que só podiam ser pagas na magia das folhas de cálculo dos partidos e que foram cavando o buraco onde havíamos de mergulhar com estrondo.

Sabemos o que aconteceu há 30 anos, na sequência da anterior intervenção do FMI que nos salvou da bancarrota. O programa foi concluído com sucesso mas o PS foi fortemente penalizado nas urnas, abrindo caminho a uma década de governação do PSD, liderado por Cavaco Silva. Também sabemos que muitos anos depois foi sendo reconhecida a coragem política de Soares – as gerações mais novas podem não saber, mas por incrível que pareça este Mário Soares é o mesmo que nos últimos anos se esqueceu do que é austeridade e da urgência que ela por vezes assume.

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É cedo para saber se esse padrão se manterá agora porque o ajuste de contas eleitoral do actual governo vai ser feito daqui a meio ano. Mas se as contas aos votos estão por fazer, as contas orçamentais com que o próximo governo vai ter de gerir são relativamente previsíveis e mantêm-se muito apertadas.

Mesmo com as dosses massivas de austeridade dos últimos anos, o Estado vai chegar ao final de 2015 com um défice orçamental de 2,7% do PIB. Isso são, números redondos, cerca de 4.500 milhões de euros. Como o país está comprometido a respeitar uma trajectória de redução progressiva do défice orçamental até o eliminar por completo, vai ter de cortar mais aquele montante nas contas do Estado.

Este é o ponto de partida para a próxima legislatura.

Um ponto de partida que, recorde-se, já inclui 80% dos cortes salariais na função pública, uma sobretaxa de IRS de 3,5%, IVA de 23% na restauração, a contribuição extraordinária de solidariedade nas pensões mais elevadas e todas as outras medidas orçamentais que foram tomadas nos últimos anos.

Como é que isso pode ser feito? O crescimento económico poderá dar um contributo com o aumento da receita fiscal e o alívio nalgumas prestações sociais, como o subsídio de desemprego. Mas que não haja ilusões. Uma economia que não conseguirá atingir, sequer, um crescimento de 3% até ao final da década não é uma economia que joga para ganhar, limitando-se apenas a prevenir perdas maiores.

Repor todos os cortes e recuar nos brutais aumentos de impostos que foram feitos é uma miragem tão distante que não está ao alcance da próxima legislatura – e nem a descoberta de petróleo no Beato nos safa, com as cotações a que ele está nos mercados internacionais.

As opções orçamentais que o próximo governo terá são minimalistas e andarão sempre a reboque de medidas que compensem com mais impostos ou cortes na despesa as medidas políticas que vierem a ser tomadas. Querem acelerar a reposição de salários dos trabalhadores do Estado e o reinício das progressões nas carreiras? Terão então de encontrar fundos que o compensem junto de outros contribuintes. Baixar o IVA na restauração? Muito bem, e que outro imposto vão aumentar? Reduzir o IRS? Só se cortarem mais nas pensões. A aritmética é cruel e nada sensível a passes de mágica.

O novo ciclo político arrancará com uma estrutura do Estado e da despesa pública muito semelhante à que tínhamos quando a troika aterrou no país. Com uma enorme agravante: o espaço que há para opções orçamentais dolorosas mas amplas é hoje muito menor, porque a austeridade praticada já está incorporada nas contas e é irrepetível. Não se corta o mesmo euro duas vezes.

A reforma do Estado é um chavão tão gasto e tão adiado que já nem vale a pena falar dela. Mas agora é tão ou mais urgente do que era no passado.

Este é o quadro e é nele que as opções políticas terão de ser desenhadas. Alguém que venha falar de margem de manobra nas contas, folga orçamental ou sinónimos do género estará certamente a enganar os eleitores. Simplesmente porque eles não existem.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com