Uma das coisas que mais me intriga e cansa no jornalismo que se faz atualmente em Portugal é a ausência de sentido crítico, a incapacidade de arriscar e de fazer diferente. Estão todos a correr para dar as mesmas notícias e fazer as mesmas perguntas. E, quando conseguem o objetivo, ficam com a sensação de dever cumprido.

Vem isto a propósito da não notícia que ocupa lugar diário nos títulos da imprensa, dos noticiários das rádios e das televisões. Todos os dias somos brindados com o número mágico das mortes por Covid. 1 morto, 7 mortos, 3 mortos. Os números dos últimos meses demonstram por si só que o tema já não é notícia, é preguiça de procurar notícias realmente interessantes. Nestes mesmos dias terão morrido o triplo das pessoas com ataque cardíaco, cancro ou outra doença letal.

O mais intrigante nesta escolha editorial é que os mesmos meios de comunicação que ampliam os números das mortes por Covid, escrevem nas páginas ao lado, nas colunas de opinião, que isto não faz sentido, que os números provam que o maior risco passou e que temos de nos habituar a viver com esta, como com outras doenças.

O jornalismo é essencial a uma sociedade democrática. A tal ponto que não é possível haver democracia sem jornalismo livre. O jornalista tem o direito de informar, mas também o dever de entregar essa informação de forma objetiva e enquadrada. Compete ao jornalismo dotar os leitores, ouvintes ou espetadores dos elementos necessários à formulação de juízos críticos e informados sobre a atualidade. É também isto que ajuda a fazer escolhas informadas.

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Vivemos a queixar-nos das fragilidades da nossa democracia, da falta de alternativas políticas e não atribuímos tanta importância à falta de alternativas nos meios de comunicação social. Mas devíamos, porque este é um dos sintomas mais evidentes de um regime que não está de boa saúde.

O Covid é só um exemplo, mas há muitos mais que nos demonstram como o jornalismo faz pouca diferença no país em que vivemos. Falta sentido crítico. Falta investigação. Faltam agendas próprias. Faltam, e muito, perguntas incómodas aos poderes instituídos. Falta assumir o risco de fazer diferente.

É por tudo isto que a Covid e as suas exíguas mortes continuam a ser notícia de primeira página. Afinal de contas é muito mais fácil chegar à redação e já saber quais vão ser as notícias. Difícil é deixar a rotina de lado e encarar cada dia como um desafio à procura das notícias que melhor possam servir o nosso cliente, a nossa audiência.

Estou convencida de que o primeiro órgão de informação que quebrar esta rotina mórbida e inútil do relato diário dos mortos por Covid terá como recompensa um incremento de audiência. Mostra sentido crítico. Para além de que presta um serviço inestimável ao país e ao jornalismo.