Calma, que isto da pandemia não são só más notícias! Há também sinais de esperança para a humanidade. Soube-se há dias que, desde o início do surto de Covid-19, a China reduziu em 25% as emissões de CO2 e outros gases com efeito de estufa. (Ao que parece, é mais do que Portugal emite num ano, o que significa que, se queremos acabar com o aquecimento global, devíamos todos falecer. Talvez a lei da eutanásia ainda venha a tempo de ajudar a salvar o planeta).

Podiam ter sido 26%, mas a descida foi mitigada porque os activistas do clima, com aquelas dorzinhas de barriga provocadas pelo excitamento, não se controlaram e fartaram-se de dar puns. Mas não se pode culpá-los, merecem celebrar. Afinal, estão há que tempos à espera da descarbonização e eis que, à boleia de uma brutal diminuição de trabalho, viagens, comércio de bens e serviços, produção industrial e agrícola, consumo de energia e actividade económica em geral – um processo vulgarmente conhecido como “empobrecimento” – finalmente conseguiram. O vírus é tão fofinho para o ambiente que deviam mudar-lhe o nome para Ecovid.

O facto de os chineses não poderem trabalhar, não terem o que comprar, não se poderem deslocar e, basicamente, viverem como viviam há 50 anos, é a colocação em prática do chamado Green New Deal. Só que, pelos vistos, o “green” é por causa da cor do muco dos doentes com coronavírus. Infelizmente, apesar de uma redução de 25% ser boa, não é suficiente. Até porque dá espaço para uma recuperação. O ideal era propagar-se um vírus destes de seis em seis meses, para consolidar a desaceleração económica. Como é óbvio, uso “desaceleração” como eufemismo. O objectivo é a economia desacelerar da mesma forma que um carro desacelera quando embate num muro. Uma metáfora particularmente feliz porque um carro esborrachado contra um muro é menos um carro na estrada a queimar gasolina.

Só que, nesta crise de saúde pública, nem tudo é gáudio para os activistas. Os efeitos da epidemia também causam preocupação. Já começa a ser posta em causa a realização do COP26, a cimeira sobre o clima que deveria ter lugar em Glasgow, em Novembro, mas que corre o risco de não acontecer. Ao que tudo indica, as severas restrições às viagens causadas pelo coronavírus podem impedir que políticos e activistas se reúnam novamente para exigirem severas restrições às viagens. Naturalmente, os activistas pela descarbonização forçada estão aborrecidos por poderem ser afectados pela descarbonização forçada. Este transtorno nas suas vidas impede-os de se juntarem para engendrar novas formas de transtornar a vida das pessoas.

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Pessoalmente, a descarbonização também me vai prejudicar, sobretudo a nível familiar. Se a deterioração da qualidade de vida for para manter, perco uma importante ferramenta na educação dos meus filhos. É que deixo de poder usar o discurso paternalista que o meu pai usava comigo, quando contava a sua infância difícil. Dizia que se fartava de andar para ir para a escola, que só tinha um par de sapatos, que não havia ar condicionado, que o meu avô não tinha carro, que não havia internet, que nunca viajou para o estrangeiro, enfim, balelas neorrealistas que eu não podia pôr em causa porque, lá está, quando o meu pai era criança não havia telemóveis com câmara que registassem as suas reais condições de vida.

Ora, com os meus filhos não vou poder usufruir desta superioridade moral de quem cresceu com piores condições materiais. Se se descarbonizar como é suposto, a minha geração terá tido acesso a muito mais conforto do que o que vai estar disponível para a próxima. É desagradável, porque o sermão de “no meu tempo a vida não era tão fácil, meu menino” é fundamental para estabelecer uma relação de autoridade com os pirralhos. A única hipótese é inverter o discurso e continuar a apresentar a vida deles como privilegiada em relação à minha. Vou começar a testar estas frases:

“A minha casa tinha aquecimento central. Não havia essa mariquice que vocês têm agora, de se constiparem e poderem faltar à escola”.

“Os meus pais obrigavam-me a ir de férias a países exóticos, a tirar fotografias em praias cheias de sol, a frequentar museus, a comer comida diferente, a falar com pessoas de outras culturas. Não podia ser como vocês, que têm a sorte de passar as férias aqui sossegados. Mimadões!”

“Se quisesse fruta, tínhamos de ir ao supermercado e escolhíamos de entre imensas variedade, algumas até estrangeiras. Não tinha o privilégio que vocês têm agora, de cultivar os vossos próprios vegetais num baldio das traseiras. Sortudos, a trabalharem a terra, uma actividade tão recompensadora. Nunca peguei numa sachola às 6 da manhã”. Nesta, talvez chore.

“Na época dos testes, estudava também de noite. Não tinha a desculpa que vocês têm, de não haver luz eléctrica em casa”.

“Os banhos eram de água quente. Imaginem! Não tinha a sorte que vocês têm, de tomar banho de água fria, que faz tão bem à saúde”.

“O que eu não dava para ter uma bola de trapos como a vossa, com os divertidos ressaltos aleatórios, em vez de uma desenxabida e esférica bola oficial!”

Espero que os meus filhos nunca descubram o embuste. Em princípio, estou safo: esta crónica só vai estar disponível online e, se a descarbonização for bem-sucedida, a electricidade vai ficar tão cara que será impossível haver Internet.