É deprimente ver acontecer cá por casa o que nos chateia lá fora. Ver que olhamos para os outros e copiamos o que de pior há para copiar. Infelizmente, quando em Portugal já há quem veja tudo pelas lentes do sexismo, racismo, homofobia ou xenofobia e quem tente restringir a liberdade de expressão em nome do politicamente correto, temo que aos poucos iremos importar a pior parte da cultura anglo-saxónica moderna. A nível político, a defesa da ilegalização do Chega por parte de Marisa Matias e Ana Gomes é apenas a mais recente demonstração do caminho perigoso por onde arriscamos ir.

Há dois anos e meio que estudo em Inglaterra, mais precisamente na Universidade de Cambridge. Na semana do caloiro, logo que cheguei fui confrontado com um espetáculo triste, ridículo e até humilhante. E não, não me refiro a qualquer género de praxe (Deus nos livre que isso acontecesse num prodígio civilizacional como é o Reino Unido!). Refiro-me a um atelier de uma hora em que, depois de nos apresentarmos todos, explicitando quais os pronomes pelos quais queríamos ser tratados, alunos do ano acima explicaram-nos, cuidadosamente, o que podíamos e não podíamos dizer. Fomos ensinados que género de piadas eram ou não eram aceitáveis e o tipo de vocabulário apropriado para descrever diversas minorias. Foi-nos instruído, por exemplo, que não devemos descrever uma mulher como “mandona”, pois é sexista.

Atualmente, na universidade, existem horários de ginásio específicos para mulheres, bolsas exclusivas para alunos de raça negra e posições na associação de estudantes exclusivas para pessoas LGBT. Ainda recentemente, foi retirada uma oferta ao famoso académico de direita Jordan Peterson para lecionar na universidade, por se ter recusado a tratar pessoas transgénero por pronomes que não correspondessem ao seu sexo biológico. Pouco antes, em 2019, um outro académico, Noah Carl, acabou despedido do seu posto na universidade devido à publicação de estudos académicos que concluíam, por exemplo, haver uma maior prevalência de terrorismo em locais de alta densidade populacional muçulmana. Tudo isto leva a um contexto social verdadeiramente venenoso, em que é difícil ter um debate aberto e franco acerca de questões políticas prementes. Alunos com opiniões mais conservadoras escondem o que pensam, sabendo que dizer a coisa errada pode muito facilmente levá-los a uma posição de exclusão social ou, até, a um processo disciplinar. É uma situação antidemocrática e chocante, difícil de acreditar que esteja a acontecer mesmo aqui ao pé, num país que ainda recentemente votou pelo Brexit. Mas isto não é paradoxal. A deriva totalitária do politicamente correto e os movimentos populistas alimentam-se mutuamente e, seja no Reino Unido, seja nos Estados Unidos, o crescimento da extrema-direita é também, em grande parte, uma força de reação à repressão da liberdade de expressão.

Mas o que tem esta realidade distópica a ver com Portugal, afinal? Por cá, existe uma fascinação de certas pessoas por copiar tudo o que lhes parece virtuoso vindo do estrangeiro. Viu-se, aquando dos protestos quanto à morte de George Floyd e da patética vandalização da estátua do Padre António Vieira. Quando o objetivo é demonstrar virtuosismo, qual a relevância de George Floyd ter morrido lá, não cá, e do Padre António Vieira ser, na realidade, um anti-esclavagista? Infelizmente, a importação de movimentos sociais estrangeiros também se estende ao politicamente correto e à política identitária. Há quatro anos, foi cómica a sugestão do Bloco de Esquerda para mudar o nome do Cartão de Cidadão para Cartão de Cidadania. Pouco depois, o ultraje quanto aos livros de exercícios “sexistas” (ou seja, com pequenas diferenças nas ilustrações) da Porto Editora já teve menos graça. Em 2018, tornou-se verdadeiramente preocupante quando foi aprovada pelo Parlamento a possibilidade de mudança de género no registo civil, sem nota médica, a partir dos 16 anos. A política identitária entrou gradualmente na política portuguesa, mas foi-se firmando, ainda mais com a eleição de Joacine Katar Moreira, em 2019, e com crescentes protestos, seja do SOS Racismo, seja da Comissão para a Igualdade de Género.

Finalmente, temos o exemplo mais gritante e recente: a defesa da parte de duas candidatas, militantes de dois dos principais partidos nacionais, da ilegalização e exclusão de André Ventura e do seu partido do nosso sistema democrático. Apesar de não concordar com muitas das suas propostas, André Ventura não tem uma plataforma antidemocrática, ainda recentemente admitiu que daria posse a um governo do BE, se fosse caso disso. Quando vamos para além deste critério na proibição de um partido político e começamos a reprimir a liberdade de expressão porque discordamos de alguém, estamos a importar a apelativa moda anglo-saxónica e marginalizamos uma parte do eleitorado, sugerindo, não que estamos dispostos a ouvir os seus argumentos e a contrapor os nossos, mas, sim, que estamos com medo de falar com eles, que os preferimos calar. Esta lei da rolha, seja a nível legal seja a nível social, não resolve nada, apenas exacerbando a polarização existente e potenciando ainda mais fenómenos populistas. Felizmente, Marcelo parece perceber isso. Esperemos que não seja o único.

Em Portugal há uma tendência para postular que “o que vem de fora é que é bom!” e de desvalorizar o que nos torna quem somos. Por mais que haja áreas, nomeadamente económicas, onde possamos aprender com países mais desenvolvidos, há muitas outras em que a maneira como fazemos as coisas é, de facto, melhor. Deixa-me feliz, que em Portugal, um empregado de restaurante possa instar um cliente a comer o frango com as mãos ,“à homem!”, sem se preocupar se com isso o ofende de alguma maneira ou se está a contribuir para a perpetuação de uma suposta sociedade patriarcal. Deixa-me feliz, que um Primeiro-Ministro com raízes indianas seja avaliado pela suas posições políticas, ações e argumentos e não com base na sua pertença a um grupo étnico minoritário. E deixa-me feliz, sim, que o atual Presidente da República possa debater com um candidato da direita radical, expondo os seus argumentos e contra-argumentos, ao invés de o insultar ou desprezar. Tenho esperança, apenas, que daqui a 20 anos possa continuar a dizer o mesmo.

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