Sem qualquer dúvida, António Costa foi o grande vencedor das eleições de domingo. Se é verdade que Costa não conseguiu maioria absoluta para o Partido Socialista – como José Sócrates alcançou em 2005 -, a verdade é que, depois da refrega no Terreiro do Paço com aquele senhor idoso, Costa provou ser um animal, não meramente feroz, mas ferocíssimo. Felizmente, não foram os apaniguados que o primeiro-ministro nomeou em 2017 para a Protecção Civil que trataram da segurança do PS durante a campanha. Caso contrário, na sexta-feira passada, mais de dois anos depois da catástrofe, o incêndio de Pedrógão Grande teria feito mais uma vítima.

O que ainda não ouvi a nenhum analista político é que este episódio é um sinal claro de que a legislatura que agora começa será bem diferente da anterior. Se nos últimos quatro anos o governo tudo fez para convencer os portugueses que tinham desapertado o cinto, este incidente com o cidadão sénior antecipa que nos próximos quatro anos é muito real o perigo de António Costa nos fazer chegar a roupa ao pêlo.

Se dúvidas havia, ficou comprovado que o líder do PS é muito habilidoso. A forma como ele se adapta a cada situação é esplêndida. Por exemplo, quando foi visitar José Sócrates à prisão de Évora, é difícil sequer imaginar a quantidade de patranhas que Costa escutou acerca do que sucedeu enquanto foi número dois do executivo de Sócrates. E no entanto, a sua única reacção na altura foi um sereníssimo afiançar que Sócrates “Luta por aquilo que acredita ser a sua verdade”. Desta vez, só por causa de uma aldrabicezita proferida por um idoso, Costa queria logo tirar de esforço do velhote. Quando bastava ter tido umas palavras simpáticas, daquelas que o caracterizam, do género: “O senhor está a dizer aquilo que acredita ser a sua verdade. Mas daqui a dez minutos, provavelmente, já nem se lembra que falou comigo. São aquelas coisas aborrecidas da idade, não é?”

Este episódio, na antevéspera das eleições, trouxe à memória a frase cunhada por Jorge Coelho em 2001 segundo a qual “Quem se mete com o PS leva”. Descobrimos agora, dezoito anos depois, que o que ficou para a história foi apenas a parte inicial do dito. Pelos vistos, a frase completa é “Quem se mete com o PS leva e não interessa cá se são velhos, ou se são velhas. Vai tudo a eito!”

O novo parlamento terá, pela primeira vez, uma deputada do Livre e um deputado do Chega. E como que celebrando o processo democrático em curso, a deputada do Livre, Joacine Moreira, garantiu já que “não há lugar para a extrema-direita” na Assembleia da República. O que é bizarro, porque significa, ou que o Chega não é de extrema-direita, ou que Joacine Moreira vai propor a António Costa um acordo em que, em troca da aprovação dos orçamentos de estado, o primeiro-ministro dá-lhe umas lições sobre como correr com opositores políticos à pancada, para ela aplicar no André Ventura assim que se cruzarem no hemiciclo. Mas, por acaso, eu estou de acordo com a Joacine. Também não desejo a extrema-direita da Assembleia. O que me faz mesmo espécie é por que razão — não estando nós dispostos a tolerar a presença de um deputado de extrema-direita — toleramos a presença de tantos deputados de extrema-esquerda.

Aqui há uns meses, o ex-ministro Poiares Maduro dizia temer a “mexicanização” da política portuguesa. Agora percebo o seu receio. Por este andar, mais uma ou duas legislaturas e os espanhóis são meninos para começar a construir um muro na fronteira para impedir que passemos todos a salto para Badajoz.

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