O nosso grau de desenvolvimento civilizacional não permite banalizar o Dia Internacional da Mulher como uma daquelas datas comerciais para que se prescreve o providencial bombom em forma de coração.

Na verdade, e mesmo se nos cingirmos a Portugal, a consagração legislativa da igualdade entre os sexos pouco mais é do que uma maquilhagem das evidências estatísticas que atestam que as mulheres não estão (na participação cívica, nos cargos decisórios, no respeito social, no trabalho ou em casa) em paridade com os homens.

Foquemo-nos porém no positivo. É manifesto que a consciência da não discriminação em função do sexo tem somado conquistas expressivas e contribuído para a afirmação de uma sociedade mais avançada.

A isto não é certamente alheia a Constituição, que, no seu artigo 13.º, postula que todos os cidadãos (também) independentemente do sexo são iguais perante a lei e que, desde 1997, assumiu como tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade entre homens e mulheres – alínea h) do art. 9.º.

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O Dia Internacional da Mulher, proclamado pela ONU em 1977, assinala-se a 8 de Março e terá as suas origens no dealbar do séx. XX, no contexto da luta sindical e pelo direito de voto nos E.U.A..

Cerca de um século volvido sobre o início da luta moderna pelo fim da discriminação das mulheres é assinalável a alteração, por vezes revolucionária, a mais das vezes paulatina, de um código civilizacional que é o legado de milénios de existência do bicho Homem.

Mas muito há ainda a fazer. Nas empresas, nas fábricas, no campo, nas cidades, na política, nas igrejas, nas escolas, no desporto, em casa, nos tribunais, nas famílias e em cada um de nós, homens e mulheres. Em Portugal e, cada qual em sua dimensão, noutros países do Mundo.

Se tudo estivesse já feito, poderíamos aviar o conveniente bombom e zombar descontraidamente com iniciativas como a promoção de um workshop de maquilhagem pela Direcção Regional Sul da Associação (dita) Sindical dos Juízes Portugueses nas comemorações do Dia da Mulher.

Todavia, no Portugal actual, sinalizar esta efeméride com tamanho estereótipo não é só imbecil. Constitui uma grotesca manifestação de insensatez histórica e social e uma menorização do dever de promoção da igualdade que, até por vir de quem vem, é inaceitável.

Quero acreditar que todas as pessoas de bem vêem com normalidade a participação de mulheres na vida política e judiciária (atente-se na coincidência sucessiva de duas ministras da Justiça e duas procuradoras-gerais).

E dessa sorte, acredito que a comunidade tem a obrigação e os meios para não tolerar o menosprezo dos direitos das mulheres, devendo reagir a atitudes misóginas com o nervo e com a veemência (ainda que sob a forma de humor, mais ou menos cáustico) que os últimos meses, a propósito da violência doméstica e o seu tratamento judicial, têm atestado.

Olhando para a sociedade é evidente que a emancipação da mulher ainda é um trabalho em processo – e por isso não é dia para bombons. Não maquilhemos a realidade.

Advogado na Nuno Cerejeira Namora, Pedro Marinho Falcão & Associados