1 Nos velhos tempos da Guerra Fria, havia uma doutrina de estratégia militar denominada de MAD (“louco” em português). O que era a MAD? Era uma sigla da expressão “Mutual Assured Destruction” (Destruição Mútua Assegurada) que significava que uma eventual guerra nuclear levaria tanto à aniquilação do defensor como do atacante. Daí que a proliferação de armas nucleares promovida pela União Soviética e pelos Estados Unidos levasse necessariamente, do ponto de vista da teoria da estratégia militar, a um equilíbrio entre as forças. Uma louca teoria, portanto.

Entre tantas questões disruptivas da invasão ilegal, imoral e criminal da Ucrânia por parte da Rússia, a ameaça de Vladimir Putin de usar o seu armamento nuclear é a mais importante de todas. Por muito que isso seja apenas uma vã ameaça para ganhar uma posição de força nas supostas negociações de paz, o mundo mudou (novamente) quando Putin decidiu avançar para o estado de prontidão nuclear devido a uma imaginária ameaça do Ocidente. Esse é um momento deja vu para a minha geração.

Ao tentar reconstituir o Império Russo iniciado por Pedro o Grande com uma configuração territorial semelhante à da defunta União Soviética, Vladimir Putin quer desafiar a máxima de que raramente a história se repete — e nunca é igual. Um desejo que só pode acabar em tragédia, necessariamente para Putin e para a Rússia. E só há uma entidade que pode impedir o pior: o próprio povo russo.

2 Quando o Presidente Cavaco Silva persistiu em novembro de 2015 em não ser um simples notário da geringonça, colocando seis condições claras a António Costa para dar posse ao seu Governo apoiado por uma maioria parlamentar PS, PCP e Bloco de Esquerda, houve duas condições que criaram polémica junto dos defensores da dita aliança: “o respeito pelos compromissos internacionais de Portugal no âmbito das organizações de defesa coletiva” (ou seja, a permanência de Portugal na NATO) e a garantia de manutenção de Portugal no Euro.

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A velha esquerda ressabiada com Cavaco Silva desde os anos 80 e 90, acusou o Presidente da República de não querer empossar António Costa, quando isso nunca esteve em causa. Os humoristas oficiais do regime gozavam com Cavaco com as mãos na barriga de tanto rir.

E o que sabemos hoje é que Cavaco teve toda a razão em impor o respeito pelo papel de país fundador da NATO quando o PCP e o Bloco de Esquerda sempre foram e continuam a ser contra a permanência de Portugal na organização de defesa militar da Europa. Porquê? Porque o que estava em causa é que, ao contrário da desvalorização total que socialistas, comunistas e bloquistas argumentavam junto da comunicação social, Vladimir Putin já tinha invadido e anexado a Crimeia a 18 de março de 2014. Os especialistas que estavam atentos, sabiam que a NATO voltaria a ter um papel fundamental em parar a Rússia — que não iria ficar pela Crimeia, como agora ameaça não ficar pela Ucrânia.

3 Esta viagem ao passado da Guerra Fria ajudou a mostrar a verdadeira face da extrema-esquerda portuguesa: a face jurássica do PCP e a face grosseiramente cínica do Bloco de Esquerda. Os extremistas nunca mudam.

Vamos começar pelos comunistas. Tal como aconteceu em muitos outros episódios históricos, o PCP prefere sempre o campo da excentricidade, do isolamento, do cerrar de dentes contra tudo e contra todos — como se a teimosia e a manipulação dos factos fosse uma virtude política.

Antes da invasão, e quando a mesma era clara para todos menos aqueles que preferem um pensamento cego de seita, o PCP copiava a propaganda de Putin ao falar da “fascização da Ucrânia” (uma fantasia como tantas outras defendidas pelo PCP), da “escalada de confrontação promovida pelos Estados Unidos da América” e pela “inclusão da Ucrânia na estratégia agressiva do imperialismo” contra a Rússia

Depois da invasão, preferiu usar expressões como “operações militares de grande envergardura da Rússia na Ucrânia” num comunicado à imprensa — copiando assim a censura das autoridades russas aos medias locais. Nada de surpreendente, tendo em conta que o PCP sempre foi um bom aluno de Moscovo — uma velha tradição que contradiz o suposto patriotismo do partido.

O máximo que o PCP conseguiu evoluir foi, através da nova líder parlamentar Paula Santos, “censurar a intervenção [da Rússia]” mas sem deixar de condear no mesmo patamar  “a NATO e os EUA, a que a União Europeia também foi sempre subserviente”. A Rússia invade unilateralmente um Estado soberano, violando com todas as letras as regras do Direito Internacional e com argumentos totalmente fantasiosos, mas a culpa é dos Estados Unidos e da União Europeia. Extraordinário!

4 Já o Bloco de Esquerda, sempre muito atento ao sentido da maré (como os bons oportunistas costumam fazer), percebeu logo ao início que não podia ser associado ao crime de Vladimir Putin. Do ponto de vista prático, contudo, a sua posição não é muito diferente da do PCP porque acaba por defender que existe uma esfera de influência russa na qual a NATO não pode penetrar.

Ao mesmo tempo que censura “a aventura militar de Putin na Ucrânia”, o partido de Catarina Martins coloca ao mesmo nível (como os comunistas) “a imposição americana de armamento e bases da NATO ao longo das fronteiras da Federação Russa”. E mais: defende que o “Governo português deve atuar para que a Ucrânia possa ter um estatuto de facto congénere ao da Finlândia – de neutralidade respeitada.” Como José Manuel Pureza já tinha antecipado.

Antes da invasão, Mariana Mortágua, como os daniéis olivieras da vida mediática e respetivos anti-americanos primários de sempre, culpava os “porta-vozes do Ocidente por querer precipitar o evitável” (ou seja, a invasão e a guerra), inventou uma “iminente adesão da Ucrânia à NATO” e ainda se lembrou de comparar a crise dos misseis de Cuba de 1962 com a atual situação para justificar os receios de Putin.

5 As posições oficiais do PCP e do Bloco de Esquerda significam que, do ponto de vista prático, aqueles dois partidos não reconhecem o direito da Ucrânia a decidir livremente o seu destino, logo não acreditam na soberania do Estado e na auto-determinação dos ucranianos.

No caso de Mariana Mortágua, é uma loucura comparar uma eventual entrada da Ucrânia na NATO com a crise dos misseis nucleares que a URSS tentou colocar em Cuba em 1962. E é o reconhecimento indireto de que Putin tem direito a sentir-se ameaçado, logo pode agir como agiu. Acrescente-se que quem está a fazer ameaças de uso de armas nucleares é precisamente Putin — não é o Ocidente.

O mais extraordinário, contudo, é que a deputada do Bloco, tão rápida a apontar o dedo a tudo o que se mexe em nome de uma democracia em que parece acreditar, não está minimamente preocupada com o facto de um povo (o ucraniano) não poder decidir livremente o seu futuro.

Vários membros do PCP e do Bloco, por outro lado, têm defendido publicamente que, aquando da desintegração da União Soviética, houve um compromisso dos Estados Unidos de que a NATO não se expandiria para o Leste.

Há só vários pormenores de que todos os grandes ‘democratas’ da extrema-esquerda portuguesa se esquecem:

  • foram os países do leste (Albânia, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Macedónia do Norte, Montenegro, Polónia, República Checa e Roménia) que pediram para entrar na NATO. Todos ex-países comunistas, solicitaram a entrada quando ainda eram jovens democracias.
  • E porquê? Porque sempre tiveram historicamente receio da Rússia devido a sucessivas invasões e tomadas de força. O sentimento anti-russo é bastante comum em todo o leste europeu, como tive oportunidade de constatar quando visitei a Polónia, a Hungria e a República Checa. A entrada do Exército Vermelho em Budapeste em 1956 e em Praga em 1968, assim como a imposição da lei marcial na Polónia em 1980 por pressão da URSS, são apenas três episódios dessa memória — mas a história é muito mais longa do que isso.

Por isso mesmo, comparar o direito inalienável e soberano de uma comunidade a proteger-se de um inimigo histórico — fazendo-o de forma claramente livre — com uma suposta esfera de influência russa é profundamente manipulador e desonesto.

6 O mesmo se diga do ataque sucessivo do PCP e do BE ao suposto imperialismo da NATO. A NATO não invadiu nenhum país europeu e só está no leste europeu a pedido expresso das respetivas comunidades e estados soberanos, numa decisão democraticamente validada em voto secreto e em eleições livres, reconhecidas como tal pelas instituições internacionais, em todos aqueles países.

Resumindo e concluindo: a NATO é uma aliança militar defensiva que existe para proteger os povos livres e democráticos.

Num momento em que sabemos que o mundo mudou com as ameaças nucleares de Vladimir Putin, ser contra a NATO é ser a favor da Cortina Ferro, é ser a favor à subjugação dos povos de leste aos desejos do Império Russo. O que o PCP e o Bloco de Esquerda se recusam a perceber é que, se não fosse a NATO, Vladimir Putin já teria conseguido reconstituir as fronteiras da antiga União Soviética e do Pacto de Varsóvia.

Será que é isso que o PCP e o Bloco querem? Que os povos do leste europeu voltem a viver sob ditadura, sob vigilância de polícias políticas e que voltem a passar a fome?

Esperemos que, apesar da tragédia ucraniana, os portugueses percebam de uma vez por todas que o PCP e o Bloco de Esquerda não são aqueles partidos fofinhos que estão sempre do lado dos justos contra os pecadores. De fofinhos não têm nada — e já é altura de começarem a ser escrutinados exatamente da mesma forma que o Chega, e bem, é escrutinado pela comunicação social. PCP, Bloco e Chega são farinha do mesmo saco do extremismo.

Artigo alterado às 10h10