Pode Marcelo Rebelo de Sousa ser o próximo Presidente da República Portuguesa? Claro que sim. À direita, aliás, é mesmo o único capaz de vencer uma disputa com um candidato de esquerda do calibre de António Guterres (na suposição que se candidata).

Aviso desde já que, nesta análise, parto das condições e circunstâncias hoje conhecidas, pressupondo pois um cenário (dentro de sensivelmente 18 meses) em que nada de particularmente dramático terá mudado, até em termos das personagens envolvidas. Claro que entretanto há eleições legislativas, com data ainda por determinar, novos ou antigos personagens no principal partido da oposição, crises bancárias e europeias, sem falar do inesperado, e tudo isso condicionará a liça presidencial.

Limitando-me às eleições legislativas, eis como me parece que os resultados poderão condicionar a escolha do próximo Presidente da República: Vencendo o PS – hipótese apesar de tudo mais provável, pelo desgaste dos partidos actualmente no poder -, independentemente do secretário-geral em funções, fica facilitado o caminho para um candidato de direita (teoria dos ovos e do cesto); se a vitória for de Pirro ou não houver maioria estável na Assembleia, isso será menos óbvio. Mas contra um Guterres pletórico de afecto público, provavelmente apenas um candidato de direita muito forte, com ampla penetração em distintos eleitorados (de direita, centro e até centro-esquerda) poderá vencer; alguém como… Marcelo. No menos provável caso do PSD (com ou sem PP) vencer as eleições, torna-se improvável a escolha de um candidato da sua área política, pois os eleitores dificilmente optarão por um Presidente de direita, depois de um Presidente de direita e com um governo de direita – sabedoria popular dixit; mesmo que o candidato da esquerda não seja Guterres – e se não for muito mau –, só um grande opositor de direita, popular e reconhecido poderá ter, ainda assim, uma vaga hipótese; alguém como… Marcelo.

Mas há um terceiro cenário, que aconselho as forças políticas a não ignorar: o da vitória de um partido ou partidos fora do eixo principal da política – o célebre “arco da governabilidade” –, algo de resto já anunciado no resultado das europeias do Partido da Terra de Marinho e Pinto. Nesse caso, a leitura das consequências para o processo seguinte torna-se tão obscura como a dos velhos pergaminhos do Mar Morto.

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Contra Guterres, quase todos os putativos candidatos de direita com excepção de Marcelo têm a derrota como quase inevitável destino. Nem uma vitória clara do PS nas legislativas deverá mudar isso. Marinho e Pinto, que não se sabe bem se é de direita ou esquerda, não terá hipótese de competir para o primeiro lugar, caso se apresente. Dos outros contendores putativos, sobre Durão Barroso pesa o ónus da saída de Portugal a meio de um mandato, para além da (injusta) identificação entre o seu cargo como Presidente da Comissão e a austeridade “imposta” pela troika, Santana Lopes ou Rui Rio dificilmente convencerão os portugueses, por razões distintas. Não se vislumbra outrem que possa representar uma verdadeira alternativa; salvo, claro, Marcelo.

Marcelo Rebelo de Sousa é o nome mais forte da direita política. As sondagens mostram tratar-se do candidato com maior probabilidades de vitória daquela área ideológica. Dele se dizem várias coisas, todas elas discutíveis (mas respeitáveis). Eis três: que tem medo de perder e por isso não concorre a nada que não esteja antecipadamente ganho; que muda mais de opinião do que muda de camisa; que não tem o apoio de Passos Coelho, pelo que não poderá ser o candidato do PSD.

Tem sido frequente escutar comentadores da vida política portuguesa, dizer que Marcelo não passa de um “comentador”. Acrescentam em geral de “um mero comentador”. Pois eu – que não passo de um mero comentador –, gostaria de lembrar aos meus amigos comentadores que Marcelo Rebelo de Sousa é tudo menos mero. E se é verdade que é um comentador, então será o príncipe dos comentadores. Pois quantos de entre nós (comentadores) logram manter o seu espaço de comentário tantos anos a fio, com audiências e influência? Porque é isso que os críticos preferem ignorar: as opiniões de Rebelo de Sousa são escutadas e comentadas um pouco por todo o país.

A sua palavra tem peso, força e influência. E dispõe de uma popularidade invulgar, destacando-se da generalidade dos nomes da nossa classe política – a que ele, antigo líder do PSD e conselheiro de Estado, indubitavelmente pertence. Tem Marcelo Rebelo de Sousa medo de perder? Mas essa pergunta faz sentido? Foi medo de perder ou opção racional, ponderada e atempada, o que sucedeu nos casos apontados pelos críticos e em que Marcelo decidiu não avançar, contra Passos Coelho, por exemplo? Tratou-se de uma decisão do foro íntimo e atribuí-la ao medo de perder sem ter a certeza disso, apenas porque sim, porque parece ser assim, sem verdadeiro conhecimento de causa, é no mínimo demagógico e certamente injusto. Para que das opções tomadas se possa concluir algo de verdadeiramente relevante, importa analisar as circunstâncias e as razões efectivas subjacentes à decisão, sob pena de estar a retirar ilações que mais não servem do que para ilustrar uma mera chicana política e mediática.

E afinal isso nem sequer interessa: o que interessa é o que fará Marcelo no futuro imediato, no presente por vir, que decisão tomará quando a tiver de tomar: apresenta-se ou não a sufrágio? Se o fizer, estou seguro, vencerá. Em Roma governa o Imperador, mas o Imperador submete-se à vontade do povo. Muda Marcelo de opinião com frequência? Mais uma vez é fácil acusar, sem provar nada de substancial e a confundir o essencial com o acessório. Alguém que anda há anos (décadas?) a comentar a vida política no nosso país, arrisca-se naturalmente a contradizer-se ocasionalmente. É quase inevitável. Isso acontece, aliás, a todos quantos se exprimem na praça pública, por dever de ofício ou devoção. E afinal, como bem sabemos, mudar de opinião é também uma prova de inteligência. Não que Marcelo o precise de provar, julgo eu.

Passos não apoia Marcelo? Nada mais incerto. E se não apoiar, talvez se arrependa. Marcelo pode não se candidatar. Mas se o fizer, sob óbvia reserva das circunstâncias concretas da altura, tem fortes possibilidades de se tornar o próximo Presidente da República de Portugal. Confesso que, como português, me daria gozo e teria orgulho numa liça eleitoral em que os principais candidatos fossem duas pessoas inteligentes, com influência, reconhecimento público e brilho próprio, como António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa.