São umas belas flores, os narcisos. Florescem habitualmente uma vez por ano, no início da primavera, em solos húmidos, perto dos lagos. Não sabemos como se olham as flores a si mesmas no reflexo das águas. Será que caem as suas pétalas devido ao auto-enamoramento mortífero, tal como acontece com o belo Narciso do mito escrito por Ovídio? Bem conhecida é a sua triste história. Apaixonado pelo que vê no espelho, afunda-se na sua própria imagem. Acaba (literalmente) por morrer de amor por si.

Patologias narcísicas austeras são incuráveis. O Eu lustroso de quem padece de excessivo auto-centramento não permite colocar-se fora de si para qualquer juízo auto-crítico. Por tal, pessoas altamente narcísicas não são boas companhias. Fazem mal aos seus próximos. São sugadores. Tentam fazer sentir inferiores os outros, em relação aos quais se acham eles superiores. Por tudo isto,  fugir de tais pessoas é desejável. Uma personalidade destrutiva por perto pode colocar em perigo a sobrevivência psíquica de quem não for capaz de identificar logo essas personalidades que se acham supremas. Provocam-nos irritação e sentimento de desapreço devido ao seu desdém.

O narcísico, perante a ínfima crítica ou qualquer apontamento julgatório na apreciação de si, sente-se logo amachucado tal folha de papel. Fica, muito facilmente, com o seu Ego despedaçado e rasgado por dentro. Ao sentir-se ameaçado, ora contra-ataca, ora se confina num revirar para dentro dominado por uma raiva silenciosa.  Mirra-se com a ideia de não ser o mais perfeito.

Há gradações de narcisismo que percorrem a paleta do nível mais destrutivo à existência de um narcisismo saudável, necessário para a prevalência de amor próprio. Salutemos este, como a base para a possibilidade da existência de boas relações com  o próprio e com os outros. Reconhecendo-se no seu próprio valor, quem logra dessa capacidade de reconhecimento das qualidades e das faltas, reconhece o mesmo valor e aceita as imperfeições do outro. É capaz de se distinguir pela diferença, vista como riqueza e não como ameaça. Afinal, o outro não tem de ser à sua imagem e/ou uma imagem extensível de si, como acontece na vivência de um narcisismo patológico e destrutivo.

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Caricaturando o típico narcísico, esse anda somente ao seu ritmo e de acordo com as suas (sempre importantes) necessidades. Sente-se o maior, todo-poderoso, o mais inteligente e o mais belo. Chega aos compromissos à hora que lhe apetece, porque primeiro tem de tratar das suas coisas e de se embelezar. Até pode perguntar como estão os outros, mas rapidamente passa a falar só de si e das suas épicas realizações, ecoando eu e eu atrás de mais eus e eus. Tudo o que cria e faz é da maior qualidade. Tudo o que é capaz de oferecer é uma extensão de si e dos seus exclusivos gostos. Nas suas relações amorosas, alternam entre sentimentos de grandiosidade em relação ao amado idealizado e correspondente à sua imagem, ou ataques de desvalorização pela invasão de sentimentos de insatisfação pela incompletude e imperfeição do seu par (não igual a si). Com os filhos, ora os vêm como exemplares, únicos, os melhores e especiais, ora esses estão sempre aquém de os alcançar no virtuosismo intelectual, moral, social que poderão ainda ascender. Os colegas de trabalho não possuem qualidade alguma e não fazem um terço daquilo que eles (melhor do que ninguém) fazem.

Há diferentes qualidades de narcisismo entre os dois pólos opostos, saudável/positivo/construtivo e patológico/negativo/destrutivo. A maioria de nós já se sentiu alguma vez o maior e noutras o pior. Só por tal, não faz de ninguém um narcísico com N. Saber identificar a qualidade do nosso narcisismo, ajuda-nos a lidar connosco e com os outros. Ajuda-nos a aceitar todos. Ajuda-nos a moderar a exigência connosco e com os outros.

Por trás da pompa narcísica existe uma extrema vulnerabilidade. O excesso de auto-insuflação não é mais do que um disfarce da falta de ar que provoca não sentir-se, no fundo, o melhor. Como tal, para não se sentir frágil como um narciso de papel, com o risco de se rasgar se intensamente colorido pela força dos riscos dos aparos, é importante a pessoa olhar-se e olhar os outros com flexibilidade e brandura. A severidade do narcisismo influencia, mais ou menos, o nível de tolerância consigo e com todos. Quanto mais pessoas com egos não amarrotados, maior será a prevalência de relações mais respeitáveis e de sociedades mais saudáveis capazes de integrar a pluralidade e a diferença.