À socapa do Campeonato do Mundo de Futebol, o governo russo decidiu tomar duas medidas impopulares: aumentar a idade da reforma e o IVA. Vladimir Putin proibiu protestos durante este acontecimento, mas isso não significa que não poderão ocorrer.

No dia de abertura do Campeonato, o primeiro-ministro russo Dmitri Medvedev anunciou o aumento da idade da reforma de 60 para 65 para os homens e de 55 para 63 para as mulheres. Além disso, decidiu também fazer subir o IVA de 18 para 20%.

Estas medidas irão ter efeitos dolorosos entre os cidadãos de um país onde a longevidade média de vida dos anos é de 64 anos e de 70 entre as mulheres.

No que respeita à reforma do sistema de pensões, há muito que os economistas russos iam chamando a atenção para este grave problema, que atinge não só a Rússia, mas o Presidente Putin adiou-o com objectivos claramente populistas. Em 2005, ele jurava: “Sou contra o aumento da idade de reforma. Enquanto eu for presidente, essa decisão não irá ser tomada. Considero que não há necessidade disso”.

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Em 2018, é o porta-voz presidencial, Dmitri Peskov, que tem de explicar a razão que levou Putin a não cumprir mais esta promessa: “É importante o facto de já terem passado 13 anos. Claro que ocorrem mudanças do ponto de vista da demografia, do desenvolvimento da economia, das mudanças na conjuntura internacional, nenhum país existe no vazio”. E acrescenta: “a reforma está a ser realizada pelo governo, o presidente não participa neste processo”.

Esta última explicação é de um cinismo descarado. Num país onde o presidente é o czar e o governo não mexe uma palha sem a sua autorização, Putin não tem nada a ver com uma das reformas socias mais importantes! Assim o Kremlin pode justificar as numerosas promessas feitas pelo dirigente russo durante os 18 anos que se encontra no poder. Estamos no século XXI, mas o chavão utilizado é medieval: a culpa num é do czar, mas dos boiardos que o rodeiam.

Peskov está mais perto da verdade quando fala da demografia, ou melhor, da catástrofe demográfica em que a Rússia mergulha a passos largos; do nível do desenvolvimento da economia, ou seja, da estagnação em que ela se encontra há já vários anos; das mudanças na conjuntura internacional: gastos com a ocupação da Crimeia e do Leste da Ucrânia, guerra na Síria e consequente corrida aos armamentos.

O cinismo manifesta-se também no facto de a idade de reforma continuar a ser a mesma para os militares e agentes dos órgãos de segurança para que, em caso de fortes ondas de descontentamento, eles não se juntem aos civis. Este é um dos pesadelos que persegue Putin e o levou a criar a Guarda Nacional, uma espécie de guarda pretoriana.

Além disso, a fim de evitar grandes protestos, o Parlamento russo pode “suavizar” esse aumento: 62 anos para os homens e 60 para as mulheres. Este é um método frequentemente utilizado pelo Kremlin para travar os protestos populares.

Por enquanto, os russos limitam os protestos à Internet. Mais de dois milhões de pessoas já assinaram abaixo-assinados de protesto contra as propostas do governo e esse número aumenta diariamente.

Quanto a protestos de rua, o Presidente Putin, em Maio passado, assinou um decreto que proíbe a sua realização até 28 de Julho, para que a Rússia pareça o país mais estável e seguro até ao final do Campeonato do Mundo de Futebol.  Depois, as autoridades russas esperam que o Verão contribua para a desmobilização dos cidadãos. Além do mais, a “oposição” comunista não costuma desobedecer ao Kremlin.

Porém, depois vem o Outono e os problemas voltam a surgir com nova força. Por isso não se pode excluir novas ondas de protesto social na Rússia.