A semana que passou foi uma montanha russa em Westminster. Em dois dias, Theresa May sofre uma derrota histórica com um chumbo de 432 votos contra e 202 a favor do acordo para o Brexit, mas sobrevive por 19 votos à moção de censura lançada pelo trabalhista Jeremy Corbyn. Agora a primeira-ministra britânica tem três dias para fazer aquilo que não foi possível fazer em dois anos: um novo acordo que possa reunir consensos entre os tão divididos comuns. Uma missão quase impossível.

A verdade é que, independentemente das militâncias partidárias, há três posições irreconciliáveis. Parte dos conservadores quer um hard Brexit, uma saída quase unilateral sem grandes preocupações com o que fica para trás. Independentemente das consequências, apelam à política emocional, onde a Grã-Bretanha real praticamente não existe, mas onde têm como forte aliado o euroceticismo quer da Câmara quer da população. Contam também com os saudosistas do império que veem na saída do Reino Unido da União Europeia uma espécie de vingança de uma certa submissão da soberania a quem não tinha nada a ver com o assunto.

Outros, especialmente à esquerda, exigem que se parta de um adiamento da saída que estava calendarizada para 29 de março deste ano e acreditam que só se pode repor a legitimidade através de um novo referendo. Estão a cometer exatamente o mesmo erro protagonizado por James Cameron antes deles: querem legitimar pela democracia popular decisões que cabem aos representantes. E contam com a ideia de que os britânicos “aprenderam a lição” nestes últimos dois anos e votem na que seria a sua própria opção política – ficar na União Europeia e reverter o processo. Por muito que eu gostasse que fosse este o desenlace, devemos ser realistas. A classe política não pode estar permanentemente a dispensar as suas responsabilidades da tomada de decisão, não pode contar que os resultados dos referendos reflitam a sua vontade política, e os trabalhistas, os principais protagonistas desta posição, têm sido ambíguos no caminho a seguir nos últimos dois anos. Se fosse britânica, teria muita dificuldade em confiar neles.

Finalmente, há um centro, debilitado, que nestas situações de polarização tem a voz sumida, que gostaria de encontrar uma solução institucional que conviesse a todos. Mas ainda que este centro possa ser maioritário, tem que enfrentar três problemas fundamentais: a competição política, a falta de convicção numa solução negociada e a fragilidade de Theresa May.

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Em primeiro lugar, aqueles que querem uma solução institucional soft Brexit estão divididos por vários partidos políticos. Os conservadores mais moderados e uma parte dos trabalhistas gostaria de encontrar forma de se despedir da EU suavemente, mantendo laços comerciais suficientemente fortes e garantindo que se pode vir a manter e aprofundar uma relação política e de segurança – a segurança é um ponto fundamental de que quase não ouvimos falar – estável e frutífera. Agora, como muitas vezes em democracia, outros interesses falam mais alto. E já se tornou evidente que parte da oposição está muito mais preocupada em fazer cair a primeira-ministra do que chegar a um acordo que permita uma vizinhança tranquila.

Em segundo lugar, há muito pouca convicção e muita confusão neste centro. Por um lado, muitos dos que advogam agora o soft Brexit eram os mesmos que defendiam o Bremain. Por muito que queiram defender o mal menor falta-lhes a convicção (que sobra a outros) para defender a sua causa. Por outro, há muitas versões diferentes de quais seriam as linhas vermelhas que o Reino Unido não está disposto a ceder. O que, ao contrário do que se tem dito e escrito não é de estranhar. Por um lado, o referendo que deu a vitória à saída veio sem roteiro, e não há qualquer modelo que ajude políticos ou analistas a perceber qual é o melhor caminho. Por outro, o Brexit significa mudanças no dia-a-dia dos britânicos, estas também difíceis de prever. Assim sendo, falta-lhes convicção num determinado modelo e paixão (no sentido político do termo) para o defender. O que sobra nas fileiras dos hard Brexiters.

Em terceiro lugar, e, porventura, o entrave maior passou a ser a própria Theresa May. A primeira-ministra pode ter mantido a legitimidade parlamentar, mas está profundamente fragilizada aos olhos dos britânicos e das instituições europeias. Falhou ao Reino Unido, porque se havia linhas vermelhas que não podiam ser ultrapassadas ou não as impôs, ou cedeu mais do que podia à Comissão Europeia. Falhou às instituições europeias porque não só não conseguiu convencer os britânicos da validade do acordo negociado, como este foi chumbado de uma forma humilhante para todas as partes envolvidas. O argumento de sempre – o Brexit foi a escolha dos britânicos e tem de ser levada até ao fim – não só é fraco como não traça conteúdos nem formas.

Antes, durante e depois, políticos, analistas e comentadores têm-se desdobrado em cenários possíveis para um futuro próximo. Há três em cima da mesa. O menos desejado pela maioria dos britânicos e europeus é uma saída do Reino Unido da União Europeia sem qualquer acordo. Ainda que teoricamente toda a gente saiba que esta é a situação mais difícil, pode ser mesmo aquela que vingue por defeito de desentendimento generalizado. Aí salve-se quem puder. Um segundo cenário, um novo referendo, tem os problemas descritos acima e antecedentes criminais. Seria, simplesmente, irresponsável. Um terceiro cenário seria a suspensão temporária do artigo 50º e/ou a prorrogação do prazo para que se reiniciem negociações. May tem reunido com os partidos para recolher posições e tentar explorar esta possibilidade (com os trabalhistas fora por intransigência de Corbyn).

Seria a via mais equilibrada. Mas um novo compromisso será muito difícil de alcançar enquanto May estiver à frente dos acontecimentos. Um chumbo tão redondo do acordo que tanto tempo levou a negociar (e sim, é um mau acordo ou uma quase-não-acordo, seja qual for a perspetiva) leva-lhe toda a credibilidade política e negocial. De tal forma, que sabemos que a moção de censura não passou porque não há alternativa. Nem os conservadores têm um candidato à altura (ou disposto) a suceder-lhe, nem ninguém está ansioso por entregar o reino aos trabalhistas de Corbyn, não só porque, como os conservadores, não se entendem entre si, mas também porque o líder não inspira muita confiança.

Em tempos normais, Theresa May seria substituída, ou pela vitória parlamentar de protesto da oposição, ou por sucessão em acordo entre os Tories, ou mesmo pela convocação de eleições antecipadas, que são um processo relativamente simples no Reino Unido. Mas neste caso, nenhuma das três possibilidades é viável por falta de sucessor responsável ou com vontade política para fazer o que tem de ser feito. Assim, teremos que continuar à espera para sabermos para onde segue esta tempestade que parece não ter fim.