Nasce-nos um neto e sabemos automaticamente que vem preparado para lidar com máquinas, computadores e robots. Vem literalmente kitado para o mundo real e digital, para aprender novas linguagens e usar novas terminologias. Os bebés nascem aptos a decifrar, a integrar e a recriar o universo dos humanos, mas também o universo das máquinas.

Ainda antes de me nascer um neto verdadeiro, sangue do meu sangue, já sou avó emprestada de 13, com a décima quarta a caminho. Um cúmulo inesperado de alegrias, pois ninguém se pode dar ao luxo de esperar receber tanto em vida. Esta semana ficou marcada pela chegada do novo neto, que acumula a todas as suas aptidões a de ser bilingue desde o início, como tantos outros da sua geração e das que o antecederam.

Num tempo em que os nossos filhos crescidos se preparam para lidar com realidades profissionais 4.0, já a caminharem a passos largos para 5.0, os nossos netos — mesmo sem o saberem — antecipam a narrativa do futuro. Ainda mal abriram os olhos e já a sua visão futurista se desenha.

Nós, os que temos a felicidade de ter emprego e até de nos podermos realizar profissionalmente, ainda estamos neste plano inclinado entre o 4.0 e o 5.0. Ou seja, entre a atual hiperconectividade, alta velocidade e alto rendimento, geridos no mais curto espaço de tempo, e a nova relação com as máquinas. O que vai distinguir o ambiente 5.0 do atual é a relação com os robots e os super computadores. Isto dito de uma forma muito resumida e porventura grosseira, claro.

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Mais do que perscrutar o futuro, coisa que não sei fazer nem me cabe saber, detenho-me na geração recém-nascida. Crianças dos zero aos quatro anos que deixaram de fazer birras no supermercado e nos restaurantes, que passaram a comportar-se melhor dentro do carro, em viagens, ou nos transportes, que se distraem facilmente desde que os pais, os avós ou quem os substitui lhes passem para a mão um gadget tecnológico.

Não sei se já repararam que hoje em dia as crianças fazem menos birras fora de casa. Dentro de casa, cada um saberá de si e dos seus, mas na rua e em espaços públicos o ambiente sonoro passou a ser mais limpo e menos ruidoso, mesmo quando há crianças muito pequenas por perto. É impressionante verificar este facto, mas qualquer um pode fazer a sua própria observação e confirmar que sempre que uma criança muito pequena vai abrir a boca para gritar, chorar ou pedinchar alguma coisa, basta dar-lhes um telemóvel ou um tablet para os entreter e fazer esquecer o motivo da birra.

É cada vez mais frequente assistir a cenas calmas, aparentemente tranquilas e sem história, entre pais e filhos. Mas será que são mesmo sem história? Ou a história é outra? Há um par de meses vi num restaurante da moda um casal de estrangeiros com dois bebés a mesa. Um ainda de colo e outro ainda muito pequeno mas que já andava pelo seu pé. Os quatro jantaram sem sobressaltos absolutamente nenhuns, mas nem um falou ou interagiu com os outros. O bebé tinha um ipad pousado na mesa, mesmo ao lado da sua cadeirinha; o mais velho tinha um tablet no colo; a mãe olhava para um ecran colocado do lado oposto ao do filho bebé, enquanto o pai lia demoradamente no computador.

Não sei quanto tempo demorou a refeição daquela família, só sei que nenhum dos quatro abriu a boca. Entenderam-se na perfeição com simples trocas de olhares e apenas o pai traduziu os pedidos de todos ao empregado do restaurante. Não posso nem quero julgar este casal, note-se, pois cada um sabe de si e ninguém pode aferir a qualidade da relação familiar a partir de uma cena silenciosa de almoço. O quadro desta família serve-me apenas de ponto de partida para uma reflexão sobre os dois tópicos que hoje me fazem escrever: a extrema facilidade com que as crianças do mundo moderno leem e apreendem as novas tecnologias, mas também a velocidade a que a comunicação e as relações interpessoais estão a mudar.

O reverso desta aptidão natural das novas gerações para as novas tecnologias é a possibilidade de se distanciarem dos humanos por mais facilmente se ligarem as máquinas. Nada disto é novidade, bem sei, mas é preocupante. No mundo 5.0 (e futuros!), em que haverá cada vez mais máquinas, ecrans, robots e gadgets, o que caberá aos seres humanos?

Serem mais humanos!

Quanto mais máquinas houver no mundo, quanto mais robotizadas estiverem certas tarefas e mais digitais forem os processos e sistemas, mais humanos teremos que ser. Não há volta a dar!

E é isto que nos cabe ensinar a netos e filhos ainda pequenos. Não basta passar-lhes para as mãos os devices e reconhecer neles as competências inatas para lidar com a nova tecnologia. É cada vez mais urgente ajudá-los a interiorizar que a comunicação humana, a relação humana, o olhar humano e o abraço humano são insubstituíveis. Importa que aprendam primeiro a olhar, a conversar, a partilhar, a discutir e a interagir com pessoas do que a lidar com máquinas. Mesmo que isso implique retomar algumas birras, ou nos obrigue a voltar atrás no tempo, quando em vez de tablets existiam braços de ferro que obrigavam pais e filhos a discutir, a negociar e até a desentenderem-se. Nesse tempo ninguém tinha medo de se desentender, porque éramos obrigados a saber os caminhos para nos voltarmos a entender. Agora parece mais fácil estender a mão com um smartphone ou um tablet, convocando ao silêncio, do que estender o braço para puxar para uma conversa mais séria ou dura, mas que mais a frente pode levar a um bom abraço.  É pena.