Fiz bandeira de um velho ditado, melhor só que mal acompanhado… olho em volta agora estou sozinho, não liguei às placas do caminho, nem parei para perguntar a direção… olá solidão, olá solidão…” é um excerto de uma música, da banda portuguesa Os Quatro e Meia.

Confesso que sou fã desta música, a letra é simples mas profunda, faz-nos refletir… e justamente enquanto a escutava, abro um artigo enviado por uma amiga com o título “How to reconnect with colleagues, meet new People and boost your career – Harvard Business Review”, e nem de propósito, ao som desta música de repente tudo se interligou…

Está escrito neste artigo que pesquisas recentes indicam que as nossas redes pessoais e profissionais diminuíram em média cerca de 16%, devido à pandemia.

Este facto faz com que fontes credíveis, como a Harvard Business School, identifiquem a necessidade de ensinar ou guiar as pessoas na arte do networking. No artigo temos dicas como “how to email someone you haven’t talked to in forever”, “networking when you hate talking to strangers”, “learn to love networking” …

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Ora vamos então à definição da palavra. Networking é um termo inglês que deriva de Network (“net” rede e “work” trabalho), em que uma possível definição poderá ser a relação entre indivíduos ou grupos que trocam informações e conhecimentos entre si. Portanto, a essência do ser humano.

Pelo menos desde o período paleolítico, segundo consta na história, que o Homem (neste caso os seus antepassados) é capaz de estabelecer relação com outros indivíduos, usufruindo dos benefícios dessas relações seja para o sucesso na caça, para a segurança da espécie, etc…

Dá que pensar, não é? Se esta é uma capacidade inata do ser humano (e na verdade de muitas outras espécies animais), o que nos leva a estarmos a perder estas capacidades, o que nos leva a necessitar de nos inspirarmos em artigos?

A tecnologia estabelece pontes, elimina fronteiras, torna mais fluída e mais acessível a informação, ao ponto de considerarmos que já não precisamos de estar uns com os outros. Basta-nos um computador, acesso à internet e estamos sempre ligados ao mundo!

Abdicamos de ir ao escritório, de estar nas reuniões presenciais e até de tomar um café em presença. Para quê? Posso claramente convertê-lo num café virtual! Muito mais cómodo e sem ter de sair de casa.

A questão é que o ser humano necessita de se conectar socialmente, para o seu bem-estar físico e psicológico e até para o seu desenvolvimento. Existe uma referência muito interessante no livro Outliers de Malcolm Gladwell – o meu autor preferido – a uma investigação que remonta à década de 60, sobre a população de Roseto (Pensilvânia). Pretendia-se descobrir por que razão esta povoação apresentava uma taxa de mortalidade entre 30 e 35% mais baixa do que qualquer outra região dos Estados Unidos e concluiu-se que era devido à sua rede social fortíssima. E pasmem-se, aquela população não lia com frequência os artigos de Harvard ou livros de autoajuda sobre como fazer “networking”!

Há uns anos vi uma reportagem (não me recordo de qual o canal) sobre o Japão que me chocou particularmente, pois descobri que existem pessoas dispostas a pagar para estar num bar de mãos dadas, apenas pela necessidade do toque.

Poderia dar certamente muitos mais exemplos da necessidade do ser humano se relacionar presencialmente e até fisicamente. Os grandes defensores do trabalho remoto estarão prontos a argumentar que o que estamos a fazer é “a trocar relações profissionais desprovidas de interesse, por mais tempo nas relações com a família e amigos”, mas será?…

Eu não tenho a resposta. Será certamente interessante acompanhar a evolução das dinâmicas de trabalho nos próximos anos e descobrir os impactos do remoto nas nossas vidas e na saúde mental.

Será a tecnologia a culpada do agudizar da nossa inabilidade em estabelecer relações? Não me parece. Mas talvez a interpretação e o uso que fazemos da tecnologia sim.

Networking é importante nas nossas vidas pessoais, mas também fundamental no desenvolvimento das carreiras. A sua importância ao nível profissional é tão notória que existem redes sociais que se especializaram nesta prática, como é o caso do Linkedin.

Um estudo publicado pelo Linkedin em 2017 indica que 70% das pessoas foram contratadas por uma empresa onde tinham pelo menos uma conexão.

Mas serão as conexões virtuais suficientes para o “boost” das nossas carreiras? E para o aceleramento da inovação nas empresas?

Existem várias iniciativas que têm vindo a surgir nos últimos anos que parecem não estar de acordo sobre o virtual ser suficiente. O conceito de “meetups”, muito em voga na Europa, surge com o objetivo de aproximar comunidades, grupos com interesses comuns. Também os há em formato digital, é verdade, no entanto assiste-se cada vez mais a uma tendência para o presencial. Outro exemplo, a TechBBQ é um evento realizado em Copenhaga que tem como missão a partilha de conhecimento, contactos e experiências entre startups, com o mote “sharing to make the Nordic Tech community stronger and happier”.

Tecnologia não é, portanto, sinónimo de isolamento ou de trabalhar sozinho, pelo contrário, seremos sempre mais fortes quanto mais conectados estivermos. Prova disso? A quantidade de vezes que o meu telefone toca e são amigos, parceiros, ex-colegas “olá, preciso de uma pessoa para trabalhar comigo, recomendas-me alguém?”.

Conclusão: reforcem sempre que possível a vossa rede de contactos e não se esqueçam que no final de contas ainda somos todos humanos.

Inês de Castro é formada em Psicologia Social e das Organizações, pelo ISPA e dedica-se profissionalmente à área de Pessoas há mais de 20 anos. É actualmente Head of People da Worten Iberia, tendo à sua responsabilidade temas tão diversos como: employer branding, culture & engagement, training & development, people management, entre outros.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.