A criação de um calendário para alcançar a neutralidade de emissões de carbono (net zero) é um objetivo incontestável e essencial para evitar o aumento catastrófico de 2°C na temperatura global. Este aumento poderia ter consequências devastadoras para o clima, afetando diretamente as sociedades e os ecossistemas tal como os conhecemos. No entanto, a fixação de metas intercalares rígidas, como as observadas na União Europeia e em outros blocos económicos, pode representar riscos significativos para uma estratégia de longo prazo mais robusta e sustentável.
Metas intercalares e a realidade socioeconómica
Na União Europeia, as metas intercalares para 2030, 2040 e 2045 visam definir um caminho e os seus marcos, para alcançar a neutralidade até 2050. De igual modo, outros blocos económicos seguem estratégias similares, impondo metas rígidas a curto e médio prazo. No caso dos países em desenvolvimento, a meta de neutralidade é estendida até 2070. Esta abordagem, embora bem-intencionada, pode resultar numa série erros que venham a colocar em risco os objetivos finais de neutralidade.
Os países podem sentir-se pressionados a cumprir metas a curto e médio prazo sem considerar adequadamente os impactos dessas ações no objetivo de longo prazo. Isto pode levar a medidas de curto prazo que, embora eficazes para cumprir metas imediatas, não sustentem uma trajetória de redução de emissões consistente e duradoura. Em muitos casos, essas metas rígidas não levam em conta o contexto socioeconómico específico de cada país, o que pode resultar em esforços descoordenados e potencialmente prejudiciais para o objetivo final dessa neutralidade.
No caso de Portugal, podemos identificar alguns riscos e desafios específicos: a rápida transição para energias renováveis enfrenta desafios como a falta de infraestrutura de armazenamento, o que pode resultar em intermitência e maior dependência de combustíveis fósseis. A descarbonização do setor dos transportes também pode ser prejudicada pela insuficiência de infraestrutura de carregamento para veículos elétricos, dificultando a sua adoção. Na gestão florestal, a pressão por aumentar a área de florestas pode levar a práticas de reflorestação inadequadas, comprometendo a biodiversidade e aumentando o risco de incêndios.
Além disso, a falta de incentivos financeiros dificulta a eficiência energética nos edifícios e soluções temporárias na gestão de resíduos não abordam as causas subjacentes, comprometendo compromissos ambientais de longo prazo. A gestão inadequada dos ecossistemas marinhos, sem considerar fatores de longo prazo, pode resultar em problemas significativos, colocando Portugal em posição de justificar as suas inações na gestão desses ecossistemas, que são património mundial.
A necessidade de flexibilidade e contextualização
Para evitar esses riscos e desvios, é determinante que as metas intercalares sejam integradas numa estratégia global que considere as realidades locais e o contexto em que são propostas, face ao resultado e objetivo de neutralidade final e não aos resultados de curto e médio prazos. O cumprimento das metas de neutralidade deve ser flexível e adaptável, permitindo que os países ajustem essas suas estratégias conforme necessário para garantir um progresso sustentável e eficaz.
Os blocos económicos e os países devem colaborar para desenvolver metas que sejam justificadas pelo impacto no resultado final. Isso significa avaliar continuamente as ações tomadas e ajustar as estratégias conforme necessário para manter o rumo em direção à neutralidade. As diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e os acordos estabelecidos no âmbito do Acordo de Paris devem servir como base para essa abordagem adaptativa e contextualizada.
A fixação de metas rígidas e intercalares sem considerar a estratégia global de longo prazo e o contexto específico de cada país pode comprometer o objetivo final de alcançar a neutralidade de emissões. É essencial que as metas intercalares sejam flexíveis e integradas dentro de uma estratégia abrangente que considere os impactos a longo prazo das ações tomadas a curto e médio prazo.
Os blocos económicos e países devem reconhecer a necessidade de adaptação contínua e de uma abordagem estratégica global para garantir que o progresso rumo à neutralidade de emissões seja sustentável e eficaz. Só através de uma abordagem consistente, mas flexível e contextualizada, sob o ponto de vista da realidade da região, país ou bloco económico, podemos garantir que as metas de neutralidade climática sejam alcançadas de maneira sustentável, beneficiando tanto o clima quanto as sociedades e ecossistemas globais.