Em Portugal vigora um regime paternalista de Estado que entende que as pessoas não são livres de dispor dos seus bens da forma que entendem.

O regime existente é imperativo e tem a sua base numa conceção moralista de Estado que considera saber melhor do que cada individuo quem são os que devem beneficiar dos seus bens.

Tal paternalismo está presente, desde logo, nas regras relativas à legitima e à quota disponível, em que Estado decide, em maior percentagem, como devem os bens do falecido ser distribuídos pelos seus herdeiros, tendo o individuo apenas liberdade de dispor e testar relativamente a um terço dos seus bens.

Tal regime é arcaico e obsoleto, representando uma clara intervenção do Estado numa matéria que devia estar reservada à liberdade individual.

Bem se entende que o regime legal pudesse existir, nos termos existentes (que corresponde à consagração na lei do pensamento moral maioritário), mas apenas como regime supletivo, ou seja, que tais regras apenas fossem chamadas a operar quando o indivíduo nada dissesse, ao exemplo do que sucede com o regime de bens no casamento.

Mas pior do que a imposição de um regime sucessório fechado, onde o Estado, legitimado pelo paternalismo moral, manda mais do que o indivíduo sobre os bens deste, é o facto – por muitos desconhecido – de, após a sua morte, os herdeiros puderem colocar em causa aquelas que foram as suas doações em vida.

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Na verdade, a chamada quota disponível, não corresponde apenas a uma quota dos bens titulados pelo de cujus na hora da sua morte, uma vez que, nos termos da lei vigente, essa quota disponível pode, a pedido dos herdeiros, ser preenchida por bens doados muitos anos antes da morte.

É o instituto da chamada redução das liberalidades, que é a possibilidade conferida ao herdeiro legitimário de, em detrimento da liberdade de disposição patrimonial do indivíduo, chamar à herança as doações feitas em vida pelo de cujus.

A Constituição consagra que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, mas tal garantia não sucede.

A verdade é que  embora se possa, durante a sua vida, dispor livremente dos bens, essa liberdade apenas respeita ao facto de não ser possível fazer as escrituras amordaçado ou com uma pistola apontada à cabeça, pois na verdade não se trata de liberdade no sentido autonomia privada, visto que tais disposições dos bens, não beneficiam de segurança e certeza jurídica até que se saiba se, após a morte, se os herdeiros, considerarem que tal disposição afectou a sua legitima.

Nestes termos, o Estado valoriza mais a expectativa que o herdeiro possa ter sobre um bem que já não faz parte do acervo patrimonial do falecido, do que a liberdade de disposição dos bens, conferida ao individuo. Este regime é, na minha opinião, absurdo e não corresponde ao pensamento moral da sociedade.

Esta limitação da liberdade repugna os amantes da liberdade e provocam lutas judiciais totalmente evitáveis.

Na verdade, não fosse o paternalismo do Estado, os processos judiciais de partilha estariam reduzidos a um número infinitamente inferior ao existente.

A livre disposição de bens, desde que seja feita de forma livre e consciente, deve ser inatacável, salvo o caso óbvio quando esteja em causa a prática de um crime.

A expectativa dos herdeiros não pode ter mais valor do que a liberdade do indivíduo em dispor dos seus bens e segurança jurídica de terceiros que recebam doações daqueles.