O autarca era amigo e foi com gosto que acedi ao seu convite para a inauguração de um centro de apoio à terceira idade numa aldeia distante da sede do concelho, no norte do país. Terminada a cerimónia, cumprimentei-o com sinceridade e fui de imediato desarmado: “pá, isto é para fechar em breve”.  Ante o meu pasmo, esclareceu que aquele edifício se destinava aos mais velhos da aldeia, sendo que não havia naquele povoado ninguém mais novo. Quando os mais velhos partissem, o equipamento deixava de fazer sentido. Irá fechar em breve, pois.

Queixam-se os restaurantes, as obras, as oficinas, de que não há gente. Queixam-se as cidades, mas, sobretudo, queixa-se o Interior. Um vlogger brasileiro fez, atónito, a reportagem de uma aldeia linda que só tinha um habitante. Não há gente.

Sempre disponíveis para atribuir soluções simples a problemas complexos, as redes sociais já determinaram: paguem mais e a gente aparece.

O Telegraph, jornal de referência britânico, publicou em 17 de Outubro um interessante artigo de investigação intitulado “Porque é que os Britânicos não apanham fruta por 30 Libras (35,00€) por hora?”.

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Retirado o factor Brexit, as restantes causas são perfeitamente assimiláveis às nossas sendo as nossas, em alguns casos, piores.

Em primeiro lugar, uma causa até talvez menor: há menos gente. É verdade, diz-nos o censo de 2021 que a população, hoje 10,3M, diminuiu 2 por cento numa década. Porém, a principal conclusão que se torna evidente no site do INE é outra: a população está a concentrar-se em escassas dezenas de concelhos na costa e a abandonar o resto. Os números já doem: Barrancos, Tabuaço, Moncorvo e Nisa perderam 20% da população numa década. É conhecido de todos o fenómeno dos jovens destes e de tantos outros concelhos que vão estudar para fora, seja Évora, Braga, Lisboa, Aveiro, e por lá ficam. Ou acabam os estudos e vão para mais longe, levados pelo Erasmus ou pela natural ambição de se fazerem ao mundo.

Quem procura contratar é diariamente confrontado com um fenómeno que se tornou quotidiano: candidatos que estão a ser apoiados pelo Estado (seja em fundo de desemprego, baixas, formações ou RSI) e que estão disponíveis para trabalhar, mas apenas na condição de a relação ser indocumentada. O articulista do Telegraph não identificou este problema (será a nossa cultura latina?) mas identificou um próximo e que também cá se verifica.

É que os candidatos incluem na análise das propostas de emprego factores como a “imagem” da profissão, os horários e a rede social que os rodeia. Assim, um emprego num centro comercial ou marca da moda estará sempre à frente de igual função num local isolado (ainda que o transporte seja pago pelo empregador). O título de “consultor comercial” tem mais facilidade de contratar do que o de serralheiro. Trabalhar de segunda a sexta dá dez a zero a um trabalho por turnos num restaurante que implica só ter um domingo livre por mês. E, como nos comprova o Telegraph, contratar alguém para a agricultura é de sobremaneira difícil. Para a pecuária nem se fala. Ainda se fosse para tratar de gatos num veterinário urbano…

O jornalista encontrou comunidades onde há desemprego, onde há investimento público para suportar os desempregados, mas onde, ao mesmo tempo, as empresas não conseguem contratar e pedem a vinda de trabalhadores de fora.

Um dos argumentos que se usa entre nós é o de que o RSI está a reter trabalhadores. Os números do RSI são partilhados pela segurança social de forma transparente e de consulta pública. Há cerca de 260 mil pessoas financiadas. Uma boa parte destas estão acima dos 50 anos e, dos mapas, não podemos identificar os que têm problemas, nomeadamente dependências, que os tornam indisponíveis para o mercado de trabalho. Certamente, uma menor abrangência do RSI iria libertar capacidade de trabalho, e importa ter a cultura de que os apoios do Estado não se destinam a quem não se dispõe a trabalhar, mas não resolveria, só por si, a escassez de mão de obra.

Numa recente reunião de empresários do sector do turismo com o Ministro da Economia, este aludia à inevitável valorização salarial. Sendo inevitável, aliás está a ocorrer todos os dias, isto não significa que seja fácil ou sem sacrifícios. As coisas não acontecem como nos livros: escasseiam recursos humanos, as empresas pagam mais, resolvem esse problema e repercutem esse custo no preço dos seus bens e serviços. Na vida real, muitos modelos de negócio, milhares de postos de trabalho estão ancorados em contextos que não sobrevivem a aumentos rápidos de custos de recursos humanos. Inevitavelmente fecharão, lançarão no desemprego os seus trabalhadores e abrirão outras que procuram trabalhadores com qualificações diferentes. Aumentar os salários é, portanto, inevitável e está a ocorrer, mas desengane-se quem achar que são só boas notícias.

Uma segunda via é a valorização do ensino profissional e a ligação às empresas. O sistema Dual alemão faz sentido.  Os estudantes trabalham em simultâneo. Formam-se na escola e integram-se na empresa. Integram-se nas suas comunidades, percebem as perspectivas de carreira e mais facilmente farão ali as suas vidas.

Por último, os imigrantes: venham eles. Portugal deve ter uma política muito competitiva de captação de imigrantes. Não se trata de quem venha para cá em busca do nosso estado social. Não podemos ter programas de apoio sobre generosos que viciam a vinda de quem virá apenas para deles beneficiar. Estes devem ser rejeitados sem complexos. Precisamos de quem queira vir para cá construir o seu futuro a partir das oportunidades de trabalho que aqui tem. Portugal precisa de muita gente. Temos 111 pessoas por quilómetro quadrado, perto da Espanha ou França, mas longe de países como a Alemanha, com urbanização mais densa.

Importa não menorizar o efeito social e político de receber um número significativo de imigrantes. A sua recepção tem de ser acompanhada de medidas de integração social, económica e cultural. É importante que quem chega não se concentre em poucos locais do território, mas sim que se disperse no país. Queremos um Portugal que absorve e evolui com a presença dos imigrantes; não queremos que se crie um país do antigamente e com imigrantes a viver lado a lado em comunidades separadas, que dará origem a ressentimentos e a contravapor político.

Todos sonhamos com um país mais tecnológico, onde o conhecimento é catalisador de uma sociedade com mais qualidade de vida. Mas desenganemo-nos: a baixíssima taxa de natalidade que temos condena o nosso futuro e só saímos dela acolhendo quem aqui queira fazer o seu futuro.

Venham, pois, são bem-vindos!