A culpa, obviamente, é do “Mecanismo”. Ou seja, é da corrupção — que começou como forma de negociação política, se transformou depois em forma de organização social e terminou, por fim, em forma de vida. Quando a corrupção se torna no principal combustível de um país, o oxigénio desaparece. O movimento é ascendente: começa a desaparecer na base e vai subindo aos poucos, até chegar ao topo. Como aconteceu agora: aparentemente, ao fim de décadas de tentativas, de erros e de desvios, os eleitores brasileiros chegaram à conclusão de que já não valia a pena continuar a tentar. Para a segunda volta das presidenciais deste ano, sobram duas opções impossíveis: de um lado, um capitão do Exército que soa a caricatura mas é um pesadelo; do outro, um fantoche do lulismo que não parece saber a diferença entre democracia e revanche.

Como é que se chegou aqui? Da pior maneira. As escolhas presidenciais brasileiras têm sido, no geral, uma longa e deprimente lista de fracassos. Começou logo em 1985, não por avareza mas por azar. Tancredo Neves, que foi cuidadosamente escolhido para ser o Presidente que, nomeado por um Colégio Eleitoral, pilotaria o país da ditadura para a democracia, morreu entre a eleição e a tomada de posse — deixando assim em desequilíbrio todo o processo de transição.

O seu vice, José Sarney, governou até 1990 e inaugurou uma triste dinastia política. Muitos anos depois, seria acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, que desmontou o “mecanismo” que corroía a democracia brasileira. Aliás, documentos revelados durante a investigação mostram que o esquema de corrupção da empresa de construção civil Odebrecht vinha dos tempos da Presidência Sarney. Num desses documentos, baptizado com o apropriado nome “Livro de Códigos”, apareciam as identidades e os cognomes de vários supostos envolvidos no esquema. Dois filhos de Sarney eram tratados pelos nomes de código “Filhão” e “Filhote” e a filha do Presidente surgia como “Princesa”.

Depois de Sarney, o eleito para Presidente foi Fernando Collor de Mello, que prometia ser uma direita liberal e moderna. Na realidade, não houve direita, nem liberalismo, nem modernidade. Simplesmente, os brasileiros assistiram à chegada de uma quadrilha ao poder. O Presidente fazia parte de um esquema de corrupção articulado pelo seu ex-tesoureiro de campanha, o inimitável PC Farias. A quadrilha foi denunciada primeiro pelo próprio irmão do Presidente e depois pelo motorista da secretária de Collor. O Presidente foi alvo de um impeachment e, olhando para o relógio, renunciou ao cargo pouco antes de ser afastado. Anos mais tarde, voltou à política, como se nada fosse, e acabou apanhado na Operação Lava Jato, que lhe apreendeu um Ferrari, um Porsche e um Lamborghini. É arguido em vários processos por corrupção.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso escaparam à corrupção, mas não ao escândalo. O primeiro deixou-se fotografar no Carnaval ao lado de uma modelo sem roupa interior, imprudência que quase o derrubou; o segundo foi acusado por uma antiga amante de lhe pagar um valor mensal com recurso a um contrato fictício que envolveria uma empresa e só não teve de se explicar em tribunal — assumindo a pensão, mas negando o uso da empresa — porque a justiça entendeu que os factos tinham prescrito.

Com Lula, que se seguiu a FHC, um partido tomou conta do Estado para se apropriar dos seus recursos. Atualmente, o ex-Presidente está preso, mas, olhando para trás, percebe-se que o fim já estava no começo. Na sua primeira eleição vitoriosa, Lula foi seguido pelo cineasta João Moreira Salles, que realizou o documentário “Entreatos”, sobre os bastidores da campanha. Há uma cena reveladora, que se passa mesmo antes do último debate entre os candidatos. Num quarto de hotel estão três personagens: Lula, que hoje é suspeito de corrupção; o publicitário Duda Mendonça, que passaria anos na Justiça, entre condenações, absolvições e delações premiadas; e José Dirceu, que mandaria no governo de Lula e seria preso por corrupção. A dada altura, Duda está a dar dicas a Lula e, quando o candidato pega no telefone, vira-se para Dirceu: “Tá acabando, Zé Dirceu…”. Ele responde, ominoso: “Tá acabando, não. Tá começando.”

De facto, estava apenas “começando”, como se veria nos dois mandatos de Lula. Com a sua sucessora, Dilma Rousseff, as coisas continuaram — e acabaram com a Presidente a ser destituída e substituída por Michel Temer, também ele investigado por corrupção na Operação Lava Jato.

Se, na generalidade, os vencedores das presidenciais brasileiras eram maus, os candidatos derrotados seriam melhores? Nem por isso. Um só exemplo serve de ilustração. O último grande opositor tradicional do PT foi Aécio Neves, que concorreu contra Dilma Rousseff. De alguma forma, a candidatura de Aécio era o fim de um círculo: ele é neto de Tancredo Neves, o primeiro Presidente pós-ditadura, que morreu antes de tomar posse, e aparecia com a promessa de completar o que o avô não teve tempo de fazer. Mas o círculo que ali se fechava não era o da esperança, era o da corrupção. Depois de derrotado, também Aécio Neves surgiu como suspeito na Operação Lava Jato. Foi afastado do Senado e constituído arguido por suspeitas de corrupção.

Quando tudo cai perante a corrupção — a direita, a esquerda e o centro; os novos políticos e as velhas dinastias; os operários e as elites — o que sobra? Sobra a claustrofobia. E, com ela, as más escolhas. É um problema antigo na política brasileira. No livro “A Ditadura Envergonhada”, Elio Gaspari conta um episódio sobre o primeiro Presidente do regime militar brasileiro e a forma como ele encarava o seu sucessor: “Castello divertia-se nos últimos meses de governo ao ler as críticas que lhe faziam, respondendo com uma piada de ópera em que um tenor apupado ri da plateia, despede-se da cena e avisa: ‘Esperem pelo barítono’”.

No Brasil, chegou novamente a vez do barítono. Esperem por ele no dia 28.