Na semana passada, Gene Grossman, professor de Economia na Universidade de Princeton, foi laureado com o doutoramento honoriscausa pela Universidade do Minho. Apesar de desconhecido do grande público, é difícil encontrar um académico mais respeitado. Guardem o nome, vão voltar a ouvir falar nele. Economia Internacional e Crescimento são as suas áreas de eleição.

Também na semana passada, Gene Grossman participou com o ministro da economia, Manuel Caldeira Cabral, num jantar-conferência subordinado ao tema a “Nova Globalização”.* Das duas intervenções, retirei duas ideias principais que não param de arranhar o meu cérebro.

Habituámo-nos a olhar para o comércio internacional como sendo uma forma de consumir num país bens produzidos noutro país. Gene Grossman veio dizer-nos que não devemos raciocinar (apenas) nesses termos. Hoje em dia, um simples produto, como um carro ou um telemóvel, é produzido em diversos países. Que sentido faz dizer que um Boeing 787 é norte-americano se 70% das partes que o compõem são produzidas no resto do mundo? Já assim era antes, mas esta tendência acentuou-se nas últimas décadas.

Mais importante, com a revolução das comunicações, é cada vez mais fácil dispersar a produção. Está na altura de se falar numa globalização de tarefas e funções e não só de produtos. Por exemplo, hoje em dia, uma empresa que tenha um call center pode tê-lo em diferentes localizações. Tal como muitos call centers de empresas britânicas e norte-americanas estão localizados na Índia, também as empresas portuguesas podem optar por ter os seus em qualquer país que fale português, como a Guiné Equatorial. Basta redireccionar as chamadas a custos insignificantes. Podemos também imaginar que daqui a uns anos será possível fazer cirurgias remotamente. Essa tecnologia já está disponível.

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Caldeira Cabral também surpreendeu parte da audiência com um facto pouco conhecido. Se olharmos para as qualificações dos portugueses então o nosso nível de vida é surpreendentemente alto. Por muito estranho que nos pareça, esta ideia é factualmente sustentada. Basta lembrarmo-nos que na OCDE os países cuja população tem os níveis de qualificações académicas mais próximas das nossas são o México e a Turquia. Mas, felizmente, o nosso país tem um rendimento per capita bastante superior ao daqueles.

A estas duas peças, gostaria de juntar uma outra. A teoria económica padrão prevê que o comércio internacional leve a uma igualização das remunerações dos factores. Ou seja, o livre comércio levará a que as remunerações do trabalho convirjam nos diversos países. Isto ajuda a explicar por que motivo a globalização arrancou da pobreza milhares de milhões de pessoas por todo o mundo. Daí que muitos economistas defendam que a melhor ajuda que se pode dar aos países pobres é deixá-los participar livremente no comércio mundial.

A nova globalização, tão bem descrita por Grossman, terá como efeito acelerar a igualização de salários. Se um médico pode fazer uma cirurgia a partir de qualquer país do mundo, será difícil que as remunerações dos cirurgiões sejam muito diferentes de país para país. Afinal, por que motivo pagaria eu mais a uma cirurgiã em Inglaterra do que a uma na Índia? O mesmo para os call centers. Se a MEO ou a NOS, ou qualquer outra empresa, tanto pode ter o seu centro de atendimento telefónico em Portugal como em Cabo Verde ou no Brasil, os salários destes trabalhadores tenderão a ser o mesmo nos diversos países. Esta igualização de remunerações nunca será absoluta, até porque continua a haver tarefas que têm de ser desempenhadas localmente, mas a força gravitacional continuará lá.

Esta nova realidade vem pôr uma nova pressão nas políticas públicas de redistribuição de rendimentos. Peguemos num exemplo muito discutido como o salário mínimo nacional. À medida que a globalização se aprofunda será cada vez mais difícil que países diferentes tenham salários mínimos diferentes. Um salário mínimo muito elevado no nosso país levará a que as empresas procurem que as tarefas executadas por trabalhadores pouco qualificados sejam efectuadas noutros países. E, enquanto os salários nesses outros países forem mais baixos, o desemprego é inevitável no nosso.

É por isso que os factos apresentados pelo ministro da economia são tão perturbadores. Num mundo cada vez mais globalizado, em que diferentes tarefas podem ser desempenhadas em qualquer país, será muito difícil que mantenhamos um nível de vida superior ao de outros países com qualificações semelhantes ao nosso.

Há uma implicação que é óbvia. A aposta de longo prazo na educação e na ciência é para ser levada a sério. Mas há outra menos consensual, mas igualmente importante: no curto e no médio prazo, as políticas de redistribuição de rendimento não podem ser as mesmas que seriam se a Europa estivesse fechada ao resto do mundo. O grande desafio que a esquerda enfrenta é o de encontrar as políticas adequadas a esta nova realidade. Aumentos de salário mínimo (muito) acima da produtividade são passos no sentido errado. Propostas como a criação de um complemento salarial para as famílias mais pobres são um passo no sentido certo.