Há uns meses atrás, escrevi aqui no Observador uma crónica onde destacava a importância de os gestores se adaptarem aos novos tempos, fruto das mudanças drásticas que se assistem no mundo, algo que nos convida a repensar sem demasiados “pré-conceitos” a abordagem dos negócios. Na crónica “Novas realidades, novas regras”, chamei a atenção para o erro de se tentar reproduzir mimeticamente as soluções de um passado, até recente, em empresas que procuram projetar-se no futuro, mas quis sobretudo destacar a dificuldade que hoje, muitos como eu sentem em acompanhar e compreender as pessoas que agora estão a entrar no mercado de trabalho e as suas aspirações.

Ontem, ao chocar com a leitura de um artigo da colunista Pilita Clark (“Disengaged, indifferent, deluded? Why young workers have an image problem”) decidi recuperar este tema, mas seguindo o mote da crónica do FT: os gestores devem procurar ouvir o seu staff mais júnior, alinhando-se com as novas gerações, mas não ficarem reféns da satisfação de todos os seus caprichos.

Na verdade, se as empresas devem procurar compreender as aspirações das novas gerações, é fundamental, também, que aqueles que agora estão a começar as suas carreiras aceitem as regras de um mundo e muitas vezes de empresas que já existiam muito antes de eles nascerem. Há um traço comum em muitos destes jovens que, educados e protegidos de inúmeras dificuldades, exibem um significativo alheamento em relação aos problemas comuns de uma realidade que parece que ignoram existir, e que não querem aceitar. Sei que a afirmação é polémica e não irá agradar a todos, mas é o que assisto e recolho das inúmeras experiências de vários gestores que, como eu, somos confrontados diariamente com jovens que expõem, na sua atitude profissional e na relação com a empresa, uma alienação da realidade e dos valores corporativos e sociais que é preocupante.

Nas duas últimas décadas, gerações de pais de várias origens socioeconómicas fizeram um esforço hercúleo, não apenas para que os seus filhos tivessem uma boa preparação e qualificações, como para os protegerem de dificuldades que outrora eram comuns na juventude. Quer o acesso a bens de consumo, quer a um estilo de vida ou de conforto, fazem parte da generalidade das novas gerações, mesmo daquelas oriundas de famílias das classes médias e médias baixas. Acresce que boa parte dos jovens tem tido um processo de amadurecimento construído em relação com redes sociais que projetam uma sensação de pertença a universos próprios do fantástico que alimentam de uma forma distorcida as suas próprias ambições. O mundo das redes sociais, egocêntrico, fechado numa bolha, cria a convicção em muitos destes jovens de que estão protegidos e distantes de um “mundo lá fora”, e convencem-nos que há todo um conjunto de ambientes a que pertencem por inerência geracional e direito quase “natural”.

Pilita Clark, na sua crónica, expõe algumas histórias caricatas que mostram bem aquilo que pretendo dizer. Citando o portal “The Verge”, Pilita Clark conta-nos que Mark Zuckerberg, numa sessão de Q&A com as suas equipas, terá sido questionado por um funcionário de Chicago, “se os dias extras de folga concedidos durante a pandemia continuariam em 2023”. A intervenção do jovem Gary de Chicago terá deixado o fundador do Facebook estupefacto, uma vez que a pergunta terá sido feita após terem sido apresentadas à plateia as dificuldades que se colocam ao Facebook por um cenário macroeconómico recessivo e pela forte concorrência do Tik Tok, algo que terá determinado o congelamento de novas contratações. Daí que Zuckerberg tenha respondido que os feriados extras não durariam e que, pelo contrário, as pessoas teriam de trabalhar mais, nem que isso implicasse que alguns iriam desistir: “realisticamente, provavelmente há um monte de pessoas na empresa que não deveriam estar aqui”, terá dito Zuckerberg. É-nos ainda contada uma história de um empresário que, depois de informar os seus funcionários que deveriam estar no escritório quando houvesse visitas de clientes, recebeu de um dos elementos juniores da sua equipa uma resposta desconcertante: “obrigado pelo feedback, mas prefiro continuar a trabalhar em casa”. Ou o caso de um consultor financeiro que terá tido um acesso de fúria com a ausência permanente de feedback nas reuniões internas, por parte de elementos da equipa que mantinham em permanência as suas câmaras desligadas e sem qualquer participação.

Parte daquilo que tem de ser feito continua a ser responsabilidade dos gestores: importa partilhar com transparência as dificuldades da empresa e envolver todos naquilo que é a estratégia corporativa, sabendo distribuir com justiça e sentido de equidade os resultados obtidos. Mas não apenas: há um choque com a realidade, uma aceitação que o esforço tem de ser partilhado por todos, aceitando críticas, compreendendo que uma carreira profissional implica sacrifícios, tempo, aceitando o diálogo com quem tem mais experiência. A realidade não é uma rede social, nem concede compensações ilusórias e imediatas. Exigindo antes compromisso e responsabilidade.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR