Não sei se tem gostado do espectáculo, mas como entretenimento tem valido a pena. Repare: como entretenimento. É evidente que as diferenças ideológicas ficaram claras durante praticamente todos os debates das últimas semanas. Mas quem está mais ou menos atento à política nacional (e para isso basta assistir diariamente a cerca de 20 minutos de noticiário televisivo, o que significa que praticamente toda a gente sabe alguma coisa do essencial que a política portuguesa tem para oferecer) não ficou surpreendido com nenhum dos partidos. Eventualmente, surpreendeu-se com o desempenho deste ou daquele líder partidário, mas ninguém pode dizer que ouviu ali novidades.

Em teoria, as eleições são relevantes na medida em que nos interessa saber o que pensam os partidos e de que forma o programa político de cada um deles vai influenciar positivamente a nossa vida e a dos nossos filhos. Na prática, a política, que sempre entendi como tarefa do futuro, tornou-se, pelo menos entre nós, a missão do não-futuro, isto é, a mera administração do imobilismo e da gestão corrente da nossa pobreza. Que é como quem diz que a campanha como entretenimento tem sido boa, como relevante para as nossas vidas nem tanto assim.

Não farei, por isso, aquele apelo tradicional do colunista ao voto neste ou naquele partido. Primeiro, porque não tenho sequer a pretensão de influenciar o voto seja de quem for. Segundo, porque, por distúrbio de personalidade, tendo a fazer precisamente o contrário daquilo que me é directamente sugerido por um terceiro que não conheço de lado algum, e acredito que a maioria das pessoas devia fazer o mesmo. Por fim, porque eu próprio não tenho grande convicção na escolha que fiz.

A única certeza que tenho é que, face ao que se adivinha no dia 30 (e adivinha-se o mesmo de sempre, uma vitória do PS ou do PSD), nós ficaremos, no que depender do partido que ganhar, mais ou menos na mesma, ou seja, mais ou menos estagnados, mais ou menos a empobrecer, absolutamente satisfeitos com a escolha tomada. Ficaremos, claro, em melhor situação se internacionalmente a política nos for favorável, e ficaremos pior se acontecer o inverso. Estamos nas mãos nem se sabe bem de quem, na medida em que recusamos, a maioria dos partidos e grande parte da sociedade, a possibilidade de fazermos alguma coisa pelo nosso próprio destino. Em suma: faltam duas semanas para irmos todos votar, bem sabendo que, aconteça o que acontecer, ficará tudo na mesma – ou pior. Perdoem-me o entusiasmo.

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Daí que o grande interesse destas eleições seja político, não no sentido das políticas públicas, mas no da táctica política. Mesmo que sejam questões sectoriais que acabem por se mostrar decisivas para o resultado eleitoral, como pode acontecer com a TAP, não é essa a mais interessante questão destas eleições. O que realmente interessa é saber quem fará a gestão corrente da nossa mediocridade nos próximos dois anos, e o de saber quem estará a preparar as próximas legislativas, para assegurar a continuidade da gestão da nossa decadência.

Há meses tive o gosto de participar num Contra-Corrente, da Rádio Observador, em que sugeria que o Partido Socialista podia acabar a pedir uma maioria absoluta. Não a alcançando, como ninguém bom da cabeça crê que alcance, restava, então, ao PS responder a duas perguntas: como é que gerava uma nova Geringonça com António Costa e o que faria caso o PSD fosse o partido mais votado e, para dispensar os votos do Chega, precisasse dos votos do PS para viabilizar Governo e Orçamento.

Desde então já correu muita tinta. O PS acabou mesmo a pedir maioria absoluta, o que se adivinhava desde o início dos jogos de espelhos que levaram ao chumbo do Orçamento; Rui Rio ganhou a corrida interna no PSD; é improvável que um dos partidos tenha maioria absoluta; António Costa já disse que se ficar em segundo lugar dá o lugar a outro e que se ficar em primeiro governa à Guterres. Sucede que fica uma pergunta no ar, a que António Costa não responderá até dia 30.

Caso o PS vença, tudo é claro, sim: António Costa forma Governo e Rui Rio já disse que o viabilizará pelo menos durante dois anos. Mas e se acontecer ao contrário? Se o PSD ganhar e houver maioria de esquerda no Parlamento, como em 2015? Lamento desiludir os menos cínicos, mas esta é a grande questão deste reality show eleitoral. E não é difícil adivinhar por que razão António Costa não responde. Precisamente porque se demite caso fique em segundo lugar, pelo que as decisões sobre votações em moções de rejeição, programas de Governo ou Orçamentos, passam a ser de um PS sem líder formal, mas com um líder informal, isto é, Pedro Nuno Santos. António Costa não sabe, presumo, o que fará o PS sem ele, caso o PSD precise da abstenção dos socialistas para constituir Governo e aprovar um Orçamento do Estado.

A minha sugestão para a campanha é esta: comecem a perguntar a Pedro Nuno Santos e aos candidatos do PS o que vão fazer caso fiquem em segundo lugar com maioria de esquerda no Parlamento. É tempo de começar a fazer a pergunta a quem lhe pode responder. É que o que interessa dia 30 é saber quem será candidato em 2024. Como espectáculo, a política nacional ainda me prende ao televisor. Não é tudo mau, portanto.